Guerra às drogas consumiu R$ 3,7 bilhões de SP em 2023, quase metade do que foi gasto por outras 5 unidades da federação


O estudo considerou gastos com Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunal de Justiça, sistema penitenciário e socioeducativo, calculando procedimentos que levam à prisão com base na Lei nº 11.343, de Drogas. Artigo 28 da Lei de Drogas prevê que é crime adquirir, guardar ou transportar droga para consumo pessoal
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Somente em 2023, a chamada “guerra às drogas” no Brasil consumiu R$ 7,7 bilhões do orçamento de seis estados: Bahia, Distrito Federal, Pará, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo, conforme levantamento do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC).
Em São Paulo, o valor ultrapassou R$ 3,7 bilhões.
O estudo considerou gastos com Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunal de Justiça, sistema penitenciário e socioeducativo, calculando procedimentos que levam à prisão com base na Lei nº 11.343, de Drogas.
A Lei de Drogas define como crime situações que vão além do tráfico, como, por exemplo, produção, consumo e associação. Cada crime tem uma pena diferente e ela pode ser maior de acordo com a natureza da procedência;
É um dos crimes com mais tipo penal da lei brasileira, ou seja, o ato que leva uma pessoa a prisão;
No caso das drogas, alguém pode ser detido por: importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente. Semeia, cultivo ou colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas, induz alguém a utilizar, oferecer, financiar entre outros sinônimos;
A Lei de Drogas apresenta diversas formas de caracterizar o tipo penal, diferentemente de crimes como furto, que têm tipificação mais específica.
A pena é de acordo com cada crime cometido e varia também com a natureza da procedência.
Ainda segundo o levantamento, em 2023, foram detidas 68.396 pessoas nas seis unidades da federação analisados com base na Lei de Drogas.
Homem segura cigarro de maconha
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60.747 no sistema penitenciário
2.313 no sistema socioeducativo – adolescentes
O estado de Santa Catarina não forneceu a separação por sistema de detenção, mas informou que 5.336 pessoas foram detidas com base na lei no ano passado
Considerando os gastos somente dos sistemas de detenção, foram quase R$ 3 bilhões. O sistema penitenciário consumiu R$ 2 bilhões e o socioeducativo, R$ 906 milhões. Em tese, isso significa que cada trabalhador desses dois locais custaria, em média, R$ 43 mil por ano ao orçamento.
Para chegar aos valores, foram considerados o trabalho das instituições do Sistema de Justiça Criminal de cada unidade da federação. Os valores se referem ao trabalho conjunto de policiais militares, civis, defensores públicos, promotores, juízes e agentes penitenciários e socioeducativos.
Segundo Mariana Siracusa, coordenadora adjunta do CESeC, o levantamento mostra que os estados seguem um modelo de combate às drogas baseado exclusivamente na utilização bélica.
“Todos os anos são gastos bilhões de reais em uma política que agrava os problemas de segurança pública e que viola sistematicamente os diretos dos moradores de favelas e periferias em todo o país. Com esse dinheiro seria possível construir cerca de 1.000 escolas nessas unidades da federação e custear a manutenção de quase 400 UPAS. Nós, enquanto sociedade, precisamos refletir sobre o custo-benefício dessa política ineficaz, cara, que produz mais violência e gera dor e sofrimento sobretudo para a população mais vulnerável”, afirma.
“Estratégias baseadas em evidências científicas, em ações de inteligência bem planejadas e executadas em articulação com forças de segurança estaduais e as polícias federal e rodoviária federal seriam mais eficazes no combate as organizações criminosas, que controlam territórios e tem no varejo das drogas umas das principais fontes de renda”, continua.
R$ 3 bilhões somente em SP
O estado de São Paulo foi o que mais gastou, totalizando R$ 3,7 bilhões. Em seguida vem a Bahia, com R$ 1,3 bilhão e o Rio de Janeiro, com R$ 914 milhões.
São Paulo também foi local que mais prendeu pessoas por esse tipo de crime: 50.093. Do total de presos em 2023 no sistema penitenciário:
de 195.787, 24,6% (48.109) foi relativo à lei de drogas.
No sistema socioeducativo, foram 4.949, 40% delas (1.984) foi com base na lei de drogas. Considerando a totalidade de presos, 25% foram relativos à lei de drogas.
Mais de 30 verbos que podem levar a prisão
A lei de drogas no Brasil utiliza mais de 30 verbos para descrever o tipo penal, ou seja, é “mais fácil” ser preso por esse tipo de infração.
“Os verbos mais mencionados são: guardar, ter em depósito; possuir, transportar e trazer consigo, que também poderiam ser acionados para indicar porte para uso pessoal. Isso revela que no momento da aplicação da Lei falta clareza dos operadores do direito na distinção das condutas de porte para uso pessoal, despenalizada no país, e de tráfico de drogas. A dificuldade em diferenciar condutas relacionadas ao uso e à venda pode acarretar prisões injustas, de usuários de drogas considerados traficantes”, afirma Siracusa.
Segundo o art.33 da lei, por exemplo, oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem pode levar a prisão por 6 meses.
A especialista defende que a prioridade de investimento orçamentário em relação à criminalidade deveria ser para solucionar crimes contra a vida. No caso das drogas, os investimentos acabam recaindo em situações que levam pessoas mais pobres à detenção.
“Embora haja consumo e venda de drogas em bairros privilegiados, o combate ao tráfico de drogas é localizado em territórios vulneráveis, de maioria negra. Ao aliar repressão a operações militarizadas e violentas, os estados agravam os problemas de segurança pública. A atuação do Estado provocou um aumento do encarceramento e das mortes provocadas por policiais. Tudo isso sem reduzir o poder das organizações criminosas nem diminuir a circulação de drogas”, afirma Mariana Siracusa.
Como foi feito o levantamento?
Para chegar aos valores, a pesquisa seguiu três etapas para cada um dos estados analisados.
Construção de indicadores que expressam a proporção de trabalho das instituições do sistema de justiça criminal com a implementação da Lei de Drogas;
levantamento, nos Portais da Transparência, das despesas liquidadas dessas instituições em 2023;
Aplicação do indicador nas despesas, para chegar ao valor gasto por cada instituição
Para as instituições da Justiça (Defensoria Pública, Ministério Público e Tribunal de Justiça) foi necessário separar as despesas com a esfera criminal da esfera cível. Essa estimativa levou em conta o tempo de tramitação dos processos criminais e não criminais.
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