Onde está a revolução que a educação brasileira precisa?

Mesmo promissor, o programa Pé-de-Meia Licenciaturas não elimina as incertezas que afligem professores já formados no Brasil.O governo acendeu uma fagulha de esperança com o programa Mais Professores para o Brasil e seu Pé-de-Meia Licenciaturas. A iniciativa, que injeta R$ 1.050 mensais em bolsas para futuros docentes, fez brilhar os olhos até dos mais céticos. Afinal, incentivar uma nova geração de professores é semear o futuro. Mas, como todo remendo em políticas compensatórias, há contradições que não podemos ignorar.

Em sala de aula, discutimos o Consenso de Washington e seu legado neoliberal, ainda vivo nas entranhas de programas sociais brasileiros. Chegamos a um entendimento comum de que a educação brasileira vive um ciclo de traumas. Este ciclo ocorre quando não se abordam problemas com a devida seriedade. Lembrando Freud, os traumas não tratados tendem a ressurgir.

O Pé-de-Meia surge como um analgésico, mas a pergunta que ecoa entre graduandos é incômoda: “E depois da formatura haverá vagas?”. O medo da insegurança profissional persiste. Quando o Estado garantirá, de fato, estabilidade e valorização à carreira docente?

O preço do capital cultural

Uma colega de profissão, professora do ensino médio, compartilhou algo que me encheu o peito de alegria: seus alunos planejam usar o “pé-de-meia” para visitar museus. Imagine! Jovens enxergando na bolsa não só um alívio imediato, mas um passaporte para o capital cultural. Durante anos, sonhei com iniciativas assim – que transformassem o acesso à cultura num ato coletivo, não em privilégio de poucos.

Mas a realidade é ácida. Muitos docentes, mesmo com mestrado ou doutorado, não têm recursos para explorar exposições, teatros ou viagens pedagógicas.

Um professor que pisa no lugar histórico sobre o qual ensina há décadas, mas que viu apenas em livros e vídeos, vive uma emoção indescritível. Seu coração palpita, a aula ganha alma. A tecnoglobalização até nos permite “viajar” virtualmente, mas nada substitui a presença diante de um monumento antigo ou o silêncio reverente de um museu.

Docentes para o mundo

Aos meus alunos e futuros colegas, digo: se a bolsa chegar, invistam em livros, em experiências que alimentem a mente. O dinheiro é ponte, não destino. Nem tudo precisa ser “instagramável”.

O Estado, porém, precisa ir além. Políticas paliativas não bastam. É urgente um projeto que una incentivo financeiro, garantia de carreira e acesso irrestrito à cultura.

Assim, aos meus estimados milhares de colegas da docência, mesmo que nunca os venha a conhecer pessoalmente, desejo que não enfrentem as estatísticas desalentadoras como as do estado de São Paulo, onde a predominância de professores temporários supera a de efetivos.

Enquanto isso, sigo esperançoso. Cada aluno que planeja uma excursão cultural, cada licenciando que sonha em transformar vidas, me lembra que a educação ainda pulsa. Resta ao poder público priorizar o humano em meio aos números. A hora é agora – antes que a esperança vire só nostalgia.

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto foi escrito por Everton Fargoni, professor e pesquisador com formação em Filosofia, História e Pedagogia e especialista em educação, e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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