Brasil teve Senados estaduais por 40 anos; saiba por que acabaram

O Brasil teve Senados estaduais nas primeiras 4 décadas da República. Isso foi possível porque a 1ª Constituição republicana, de 1891, não impôs aos Estados nenhum modelo específico de Poder Legislativo.

Alguns Estados optaram pelo Legislativo unicameral, formado apenas por deputados estaduais, enquanto outros implantaram o bicameral, composto de deputados e senadores estaduais.

Hoje, o 2º modelo não é permitido. Pela Constituição de 1988, cada Estado precisa ter uma única instituição parlamentar, a Assembleia Legislativa, com deputados estaduais.

Dos 20 Estados da época da 1ª República (1889-1930), 12 tiveram Senados estaduais e Câmaras de Deputados estaduais.

Seis desses 12 estados foram bicamerais apenas por um curto período, como o Rio de Janeiro e o Ceará, que criaram seus Senados em 1891 e os fecharam no ano seguinte.

Os outros 6 Estados foram bicamerais ao longo de toda a 1ª República, incluindo São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco.

O mineiro Afonso Pena, por exemplo, foi senador estadual antes de se tornar presidente da República em 1906.

No Senado paulista, um dos parlamentares mais célebres foi Júlio de Mesquita, jornalista proprietário do jornal O Estado de S. Paulo.

Em Ouro Preto, capital de Minas Gerais até a inauguração de Belo Horizonte, em 1897, o Senado estadual funcionou no atual Museu da Inconfidência, o prédio mais icônico da cidade histórica.

O Senado de São Paulo, por sua vez, se localizava no antigo Largo de São Gonçalo, atrás da atual Catedral da Sé. O mesmo prédio também abrigava a Câmara de Deputados Estadual.

No âmbito nacional, porém, o Poder Legislativo sempre foi bicameral. Seja nos tempos imperiais, seja nos tempos republicanos, o que vigorou foi a divisão do Parlamento brasileiro entre o Senado e a Câmara dos Deputados.

Documentos dos tempos da 1ª República guardados no Arquivo do Senado Federal, em Brasília, mostram que os Senados estaduais apareciam com frequência nos debates dos senadores federais.

Em 1895, o senador federal Ramiro Barcelos (RS) discursou sobre uma insólita crise política na Bahia. “Existem presentemente nesse Estado duas câmaras e dois senados, ambos proclamando-se legítimos representantes do povo.”

Na 1ª República, as fraudes nas votações eram frequentes e não existia Justiça Eleitoral. Por essa razão, não era incomum que a vitória fosse atribuída a determinado grupo político, mas outro, denunciando as fraudes, se proclamasse o verdadeiro vitorioso. Foi o que aconteceu na Bahia, gerando a duplicidade no Poder Legislativo.

Barcelos disse que não cabia ao Senado Federal resolver o impasse baiano. “Onde é que a Constituição Federal nos deu a faculdade de apurar as eleições dos deputados e senadores estaduais da Bahia e conferir-lhes diplomas? Essa questão deve ser resolvida pela Constituição baiana, pelas leis do Estado. No caso de haver criminalidade, que há por certo em um dos grupos, que tem diplomas falsos ou falsificados, que intervenha o Poder Judiciário. Nós é que não temos competência alguma para fazermos deputados e senadores na Bahia.”

Na mesma época, o Senado de Minas Gerais enviou um ofício ao Senado Federal, então localizado no Rio de Janeiro, agradecendo a aprovação de uma escola ginasial em Campanha e um posto alfandegário em Juiz de Fora.

Os senadores estaduais de Pernambuco, por sua vez, pediram aos senadores federais que aprovassem um projeto de lei que devolvia ao Estado a comarca do Rio São Francisco. Tratava-se de uma vasta área que D. Pedro I havia tomado de Pernambuco e dado à Bahia —como retaliação aos pernambucanos pelo movimento separatista da Confederação do Equador, de 1824.

Ainda na questão dos limites estaduais, o Senado da Bahia remeteu um documento ao Senado Federal com argumentos para que os congressistas federais engavetassem um projeto de lei que transferia um pedaço do território baiano para Sergipe.

Em 1909, o ex-senador federal Euclides Malta (AL) — tio-avô da futura primeira-dama Rosane Collor —endereçou ao Senado Federal um comunicado avisando que havia prestado juramento no Senado de Alagoas, assumindo assim o posto de governador pelos 3 anos seguintes.

O nome “Senado Federal” surgiu justamente na 1ª República. O termo “federal” hoje pode soar desnecessário ou redundante, já que não existe nenhum outro Senado no Brasil. Mas, naqueles anos, o adjetivo era imprescindível para diferenciá-lo dos Senados estaduais.

Nos Estados, o Senado e a Câmara tinham funções quase idênticas. Em geral, uma Casa legislativa estudava e votava os projetos de lei já aprovados na outra Casa.

O que as distinguia eram, basicamente, o número de congressistas e a duração do mandato. Os senadores estaduais eram menos numerosos e tinham um mandato mais longo.

Em São Paulo, por exemplo, inicialmente havia um senador estadual para cada 2 deputados estaduais. Depois, fixou-se em 24 o total de senadores. Mais tarde, determinou-se que haveria um para cada 140 mil habitantes no Estado, com o limite máximo de 30 senadores estaduais.

No início, o mandato dos senadores paulistas era de 6 anos —o dobro do tempo dos deputados estaduais. Uma reforma da Constituição estadual aumentou o tempo do mandato para 9 anos.

A cada eleição, realizada de 3 em 3 anos, apenas uma parte do Senado paulista era substituída, enquanto a Câmara era renovada por completo.

Em Pernambuco, o presidente do Senado Estadual tinha uma importante função extra: em 1904, uma reforma na Constituição pernambucana acabou com a figura do vice-governador e, a partir de então, sempre que o governador se ausentava, cabia ao presidente do Senado estadual substituí-lo.

A ampla liberdade política dos Estados, incluindo a que lhes permitia escolher o modelo de Poder Legislativo que desejassem, foi uma das maiores marcas da 1ª República.

A situação anterior era bastante diferente. Nos tempos do Império, as províncias brasileiras não tinham autonomia e estavam diretamente subordinadas ao Governo Imperial. Quem escolhia o presidente de cada província era o imperador.

Esse modelo vinha desde a Independência, em 1822, motivado pelo temor de que o Império não pudesse resistir, fragmentando-se em diferentes nações, caso as distintas regiões do Brasil gozassem de algum grau de liberdade.

Na Regência (1831-1840), o Ato Adicional de 1834 criou as Assembleias Provinciais. Cada província, assim, passou a ter um Legislativo unicameral. No entanto, dada a centralização do poder no Rio de Janeiro, os deputados provinciais pouco decidiam.

O mesmo ato adicional permitia que as províncias que desejassem ter um Senado Provincial ao lado da Assembleia Provincial fizessem o pedido ao Parlamento nacional, mas esse dispositivo da lei jamais foi acionado.

A excessiva centralização foi um dos motivos que levaram à derrubada do Império, em 1889. Os republicanos pregavam o fim do Império argumentando que, se as províncias continuassem tendo seus destinos ditados pelo Rio de Janeiro, o Brasil jamais se modernizaria.

De olho na prometida autonomia, boa parte das elites regionais do Império apoiou o golpe de Estado que implantou a República.

As promessas republicanas se cumpriram. O federalismo originalmente adotado pelo Brasil foi mais acentuado do que o existente hoje, garantindo aos Estados, durante a 1ª República, um altíssimo nível de autonomia.

Na época, por exemplo, os Estados ficaram com a maior parte da arrecadação nacional de impostos e cada um deles teve seu próprio Código de Processo Penal.

Em sua 1ª Constituição estadual, de 1891, São Paulo chegou a dizer-se “soberano”, adjetivo normalmente utilizado para qualificar nações, não entes subnacionais.

Foram essa descentralização política e essa autonomia estadual que permitiram que alguns Estados optassem pelo Legislativo bicameral e outros, pelo unicameral. Pela mesma razão, certos Estados deram ao seu governador o nome de “presidente”.

Tamanha era a liberdade na 1ª República que o Rio Grande do Sul pôde criar um Poder Legislativo decorativo. A Assembleia dos Representantes só reunia em 2 meses do ano, e uma das escassas atribuições dos congressistas gaúchos era aprovar o orçamento estadual. Não eram eles que criavam as leis, mas o governador.

Uma das razões para a existência dos senados estaduais no Brasil foi a influência dos Estados Unidos. Na hora de desenhar as primeiras leis e instituições da República, os políticos brasileiros se inspiraram nos norte-americanos, criadores de um modelo republicano considerado exemplar. Lá, os Legislativos de todos os Estados eram bicamerais.

A historiadora Cláudia Viscardi, professora da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) e especialista em temas da 1ª República, aponta uma 2ª razão. De acordo com ela, os Senados estaduais também surgiram da necessidade de acomodar os representantes das elites regionais. “No fim do Império emergiu uma elite jovem e de ideologia republicana que estava fora do Poder. Para abrigá-la no mundo político, a República ampliou o espaço de poder em alguns Estados, dividindo o Poder Legislativo em duas Casas”, diz.

Viscardi afirma que os Estados que contavam com as elites políticas mais fortes da 1ª República foram São Paulo e Minas Gerais —e que, justamente por isso, ambos tiveram Senados estaduais.

De acordo com a historiadora, o Rio Grande do Sul foi uma exceção. Os gaúchos, apesar de terem sido tão poderosos quanto os paulistas e os mineiros, não adotaram o bicameralismo porque se guiavam pelo positivismo. Essa doutrina política pregava que o Executivo deveria ser ditatorial e que o Legislativo, por sua vez, deveria ser fraco ou até mesmo inexistente.

A 3ª razão para a existência dos Senados estaduais estava na busca da manutenção do status quo. Segundo Gustavo Cabral, professor de direito da UFC (Universidade Federal do Ceará) e pesquisador dos Senados estaduais, essas Casas legislativas tinham a missão de ser um contraponto conservador ao eventual ímpeto vanguardista ou renovador das Câmaras dos deputados estaduais. “Os Senados estaduais da 1ª República funcionariam como o Senado dos tempos do Império, que, por ser formado por homens mais velhos, tendia a ser rigoroso na filtragem dos projetos de lei que vinham da Câmara dos Deputados, formada por homens que eram mais jovens, tinham mandatos mais curtos e tendiam a apoiar mudanças mais rápidas e drásticas no Brasil”, diz.

De acordo com Cabral, porém, o bicameralismo estadual como parte dessa estratégia conservadora acabou se mostrando desnecessário. “Dado o grande poder das oligarquias regionais, as oposições não conseguiram ocupar espaços de poder na 1ª República, e os deputados estaduais nunca ameaçaram o status quo. Por essa razão, nos Estados onde houve bicameralismo, Senado e Câmara foram instituições igualmente conservadoras.”

A experiência brasileira com os Senados estaduais acabou por força da Revolução de 1930, movimento armado que derrubou a 1ª República e levou Getúlio Vargas ao poder. A autonomia estadual foi drasticamente reduzida, e o poder central foi outra vez fortalecido.

De novo, recorreu-se ao argumento do atraso nacional. Na visão do grupo de Vargas, as oligarquias estaduais eram as culpadas por esse atraso, e o Brasil não conseguiria se modernizar se não houvesse um governo federal forte conduzindo toda a nação.

Assim, em 1930, todos os Legislativos estaduais foram fechados (tanto os unicamerais quanto os bicamerais). Foram reabertos pela Constituição de 1934, a 2ª da República, que determinou que o Poder Legislativo dos estados fosse composto apenas de assembleias legislativas. Desde então, a regra é a mesma.

O velho modelo da 1ª República logo seria lembrado. Ao longo da década de 1950, houve movimentos políticos favoráveis à recriação dos Senados estaduais. As articulações foram mais fortes em São Paulo e Minas Gerais. O presidente Juscelino Kubitschek chegou a manifestar simpatia pela iniciativa. Mas nem todos concordavam com essa ideia. “Julgo um contrassenso, um absurdo a criação dos Senados estaduais “, criticou o senador federal Pedro Ludovico (PSD-GO) em 1958. “Além de ser ridículo, infringe a Constituição Federal”. declarou o senador João Vilas Boas (UDN-MT).

O então senador federal Coimbra Bueno (UDN-GO) apresentou uma proposta de emenda constitucional que deixava claro que os Estados só poderiam ter Legislativos unicamerais. “A marcha dos negócios públicos vem sendo emperrada em face de dificuldades de ordem financeira das assembleias legislativas. Essa situação vem sendo responsável pela morosidade na tramitação das leis. Com a criação dos Senados estaduais, tais óbices seriam multiplicados por 2”, argumentou.

Com essa resistência, os planos de recriação dos “Senadinhos”, como a imprensa os apelidou na época, não prosperaram.


Com informações da Agência Senado.

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