Por que legado de Malcom X permanece atual

Ativista, morto aos 39 anos, continua sendo inspiração contra a opressão dos negros em todo o mundo. Em meio aos esforços de Trump de branquear história dos EUA, palavras de Malcolm X estão mais relevantes do que nunca.”O que você acha que faria depois de 400 anos de escravidão, Jim Crow e linchamentos? Você acha que responderia de forma não violenta?” Essas foram algumas das principais perguntas que Malcolm X fez à sociedade americana.

Embora a escravidão tenha sido abolida nos Estados Unidos em 1865, as chamadas leis Jim Crow continuaram a consolidar a discriminação cotidiana contra os negros até 1964. Eles não tinham permissão para votar ou sentar-se ao lado de brancos em ônibus ou restaurantes. Viviam em guetos e tinham empregos precários.

“Malcolm X abordou exatamente as questões que estavam fervilhando na mente dos afro-americanos oprimidos”, disse Britta Waldschmidt-Nelson, autora da biografia Malcolm X: The Black Revolutionary.

Sua mensagem para os afro-americanos foi clara: tenham autoconfiança! Lutem por seus direitos da forma que for necessária – até mesmo com violência, se preciso.

Na biografia de Malcom X escrita pelo jornalista americano e ganhador do Prêmio Pulitzer Les Payne (1941-2018), ele relembrou como um discurso do ativista em 1963 o libertou, como um “golpe de espada”, do “sentimento condicionado de inferioridade como homem negro” profundamente enraizado em sua psique.

Esse era exatamente o objetivo declarado de Malcom X.

Infância marcada pelo racismo

Nascido em 19 de maio de 1925, em Omaha, Nebraska, com o nome de Malcolm Little, o ativista passou a infância perto de Detroit, em meio à pobreza e violência.

Ele tinha seis anos de idade quando seu pai foi encontrado morto, assassinado por supremacistas brancos, segundo relatos. Completamente sobrecarregada, com sete filhos e pouco dinheiro, a mãe de Malcom enfrentou problemas de saúde mental. Malcolm foi, então, submetido a várias famílias adotivas e instituições. Mais tarde, em sua autobiografia, ele falou sobre o “terror dos assistentes sociais muito brancos”.

Apesar de início de vida difícil, ele era um bom aluno, o único negro de sua classe. Uma experiência em particular teve um impacto profundo sobre ele: seu professor favorito lhe perguntou o que ele queria ser quando crescesse. Malcolm respondeu que gostaria de estudar direito. Mas o professor, dirigindo-se a ele com um insulto racista, disse que essa não era uma meta realista para um garoto como ele.

Depois desse episódio, suas notas caíram drasticamente. Aos 15 anos, Malcolm X se mudou para Boston para morar com sua meia-irmã Ella Collins e, mais tarde, para Nova York. Ele se sustentava fazendo bicos, até passar a cometer pequenos crimes. Aos 20 e poucos anos, foi preso por vários roubos.

“Aqui está um homem negro enjaulado atrás das grades, provavelmente por anos, colocado lá pelo homem branco”, escreveu mais tarde em sua autobiografia. “Você permite que esse homem negro enjaulado comece a perceber, como eu fiz, que desde o primeiro desembarque desse primeiro navio negreiro, os milhões de homens negros na América têm sido como ovelhas em um covil de lobos. É por isso que os prisioneiros negros se tornam muçulmanos tão rapidamente quando os ensinamentos de Elijah Muhammad entram em suas jaulas por meio de outros condenados muçulmanos.”

O mentor a que Malcolm X se refere, Elijah Muhammad, era um separatista negro e líder da Nação do Islã, uma organização político-religiosa de afro-americanos fora da ortodoxia islâmica.

Luta contra os “demônios brancos”

A Nação do Islã “afirma que todos os negros são inerentemente filhos de Deus e bons, e todos os brancos são inerentemente maus e filhos do demônio”, explica a biógrafa Waldschmidt-Nelson. “O que tornou isso muito atraente para Malcolm e muitos outros presos, é claro, é que alguém viria e diria: ‘Vocês não são culpados por sua miséria; foram os demônios de olhos azuis que os fizeram se desviar’.”

Depois de entrar para a organização, ele começou a se chamar Malcolm X, porque os sobrenomes dos afro-americanos eram historicamente atribuídos por seus proprietários de escravos. Portanto, os membros da Nação do Islã rejeitavam seus nomes de escravos e se chamavam simplesmente de “X”.

Durante os sete anos em que passou na prisão, ele buscou mais conhecimento e permaneceu como membro da Nação do Islã por 14 anos. O líder Elijah Muhammed apreciava a perspicácia intelectual e as habilidades oratórias do jovem e o tornou o porta-voz da organização.

Em seus discursos, Malcolm X denunciou várias vezes os “demônios brancos”. Embora vivesse nos estados do norte dos EUA – espécie de “terra prometida” para os negros dos estados do sul, ainda mais restritivos –, ele também não depositava mais nenhuma esperança nos “liberais” brancos de lá. Afinal de contas, ele havia experimentado pessoalmente como os negros eram tratados como cidadãos de segunda classe em todos os Estados Unidos.

Malcolm X há muito tempo desdenhava do movimento pelos direitos civis de Martin Luther King Jr. Ele criticou o famoso discurso de King na Marcha sobre Washington, em 1963, que falava de uma América livre e unida, que ultrapassasse todas as barreiras raciais, por considerá-lo irrealista. “Não, eu não sou americano. Sou um dos 22 milhões de negros que são vítimas do americanismo. […] E vejo os Estados Unidos com os olhos da vítima. Não vejo nenhum sonho americano; vejo um pesadelo americano.”

Peregrinação a Meca e mudança de atitude

Depois de ficar desiludido com o líder da organização, Malcolm X rompeu com a Nação do Islã em março de 1964.

Naquele mesmo ano, ele fez uma peregrinação a Meca, e sua impressão a respeito dos “demônios brancos” começou a mudar. “Ele ficou profundamente impressionado com a hospitalidade e a cordialidade com que foi recebido, até mesmo por muçulmanos brancos na Arábia Saudita”, escreve Britta Waldschmidt-Nelson em sua biografia. “E então, no último ano de sua vida, ele se afastou dessa doutrina racista”, disse ela à DW.

Ele se lançou a um novo propósito: “Malcolm X queria criar uma aliança de todas as pessoas de cor oprimidas contra a opressão colonial branca”, diz a biógrafa.

Em uma viagem à África, os governos elogiaram sua intenção, mas ele não podia contar com o apoio deles: “É claro que todos eles dependiam da ajuda ao desenvolvimento dos EUA, e a maioria dos governos africanos não teria agido abertamente contra os EUA naquela época.”

Em vez disso, Malcolm X tornou-se o foco da CIA, o serviço de inteligência americano. A Nação do Islã também estava em seu encalço. “Ele sabia que seria assassinado, e foi uma decisão consciente de sua parte enfrentá-la”, diz Waldschmidt-Nelson. “Ele provavelmente disse a si mesmo: ‘Não posso desistir agora’. Depois de sua experiência em Meca, Malcolm embarcou em um caminho completamente novo, aberto a colaborar com o movimento de direitos civis de King e, se necessário, também com os brancos.”

Mas isso nunca aconteceu. Em 21 de fevereiro de 1965, ele foi morto a tiros durante uma palestra, por membros da Nação do Islã. Ele tinha apenas 39 anos de idade.

Legado atual

Na década de 1980, artistas de hip-hop celebraram o legado de Malcolm X citando trechos de seus discursos em suas músicas: “Tudo isso teve muita ressonância”, disse Michael E. Sawyer, professor de literatura e cultura afro-americana na Universidade de Pittsburgh.

“Foi uma maneira de criar esse tipo de ressurgimento da identidade negra como também uma identidade política.” As músicas serviam como declarações políticas de guerra contra o racismo branco, a brutalidade policial e o empobrecimento dos negros marginalizados.

Em 1992, Spike Lee adaptou a autobiografia de Malcolm X em um filme estrelado por Denzel Washington, o que também contribuiu para transformar a figura revolucionária num ícone que forjou a identidade cultural de muitos negros.

Hoje, como o esforço do atual governo dos EUA em branquear a história e subestimar as consequências do racismo na formação do país, e com o movimento Make America Great Again (MAGA) se opondo a qualquer crítica à suposta glória passada dos Estados Unidos, as palavras de Malcolm X estão mais relevantes do que nunca: “Você não deve ficar tão cego de patriotismo que não consiga encarar a realidade. O errado é errado, não importa quem o faça ou o diga.”

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