Fusca azul se despede de seu dono: morre José Mujica, o homem que dirigia ideias simples e poderosas

O mundo perdeu, neste 13 de maio de 2025, uma das figuras mais autênticas da política latino-americana. Aos 89 anos, José “Pepe” Mujica partiu, deixando para trás muito mais que um cargo ou uma biografia. Deixou um fusca azul. E com ele, uma metáfora viva de tudo o que ele foi: simples, resistente, honesto e profundamente humano. Como jornalista automotivo, costumo olhar para veículos como ferramentas de deslocamento. No caso de Mujica, o veículo era também uma ferramenta de mensagem. E que mensagem.

José Mujica morreu aos 89 anos nesta terça-feira, 13/05/2025. O ex-presidente do Uruguai ficou conhecido pelo estilo de vida simples e por dirigir seu inseparável fusca azul 1987.
José Mujica morreu aos 89 anos nesta terça-feira, 13/05/2025. O ex-presidente do Uruguai ficou conhecido pelo estilo de vida simples e por dirigir seu inseparável fusca azul 1987.

O Volkswagen Fusca azul 1987 de Mujica ganhou notoriedade mundial durante sua presidência (2010–2015), quando ele recusou vender o carro, mesmo diante de propostas milionárias vindas de xeiques árabes. Mas o símbolo não era só o carro velho: era o que ele dizia sobre ele. “Este carro é o bem mais caro que tenho, mas não por valor, e sim por história”, costumava dizer. E a história dele era toda feita de desapego, coerência e propósito. Morando num sítio humilde nos arredores de Montevidéu, Mujica doava cerca de 90% do salário de presidente a projetos sociais. Dizia que, com isso, vivia como qualquer outro cidadão uruguaio comum. Era o político que andava sem escolta, que plantava flores com a esposa e que dirigia o mesmo carro há décadas — por escolha.

Nascido em 20 de maio de 1935, Mujica foi guerrilheiro do grupo Tupamaros nos anos 60 e 70, lutando contra a ditadura militar no Uruguai. Preso por 13 anos, passou parte desse tempo em solitárias, onde enfrentou torturas físicas e psicológicas. De lá saiu com uma visão de mundo ainda mais radicalmente simples. Foi deputado, ministro da Agricultura, senador e presidente. Mas recusava qualquer tentativa de enaltecê-lo como herói. “Não sou pobre, sou só sóbrio. Tenho o suficiente para viver. O que é caro é ter que trabalhar para sustentar o consumo”, afirmou certa vez em discurso na ONU que correu o mundo como um manifesto humanista.

Durante sua presidência, Mujica recusou viver em palácios, optando por um sítio humilde nos arredores de Montevidéu. Também doava quase todo seu salário para causas sociais.
Durante sua presidência, Mujica recusou viver em palácios, optando por um sítio humilde nos arredores de Montevidéu. Também doava quase todo seu salário para causas sociais.

Como jornalista automotivo, há algo de comovente em saber que um dos políticos mais admirados do século XXI escolheu um carro para representar a si mesmo. E não foi um carro de luxo, nem um híbrido tecnológico, nem uma máquina de potência. Foi um Fusca. Um motor 1.3 arrefecido a ar, duas portas, pintura azul celeste desbotada e uma presença que desmentia toda simplicidade estética. Ao volante daquele carro, Mujica não se afastava do povo — ele se aproximava. Levava ministros e vizinhos no banco do carona, cruzava ruas sem cerimônia, respondia aos acenos com a janela aberta e a mão estendida, como quem governa pela escuta e pela proximidade.

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José Mujica nos deixou com o corpo, mas segue dirigindo ideias. Suas frases vão muito além das manchetes: são heranças. “O tempo é o único bem que não se recupera.” “Não vim ao mundo para desenvolver o mercado, vim para desenvolver a felicidade humana.” Em tempos de populismos ruidosos e vaidades digitais, Mujica será lembrado como o homem que se bastava com pouco, que governou com sabedoria e que nunca precisou de blindagem — nem física, nem ideológica. Seu Fusca azul, agora órfão, permanece como um lembrete de que é possível ser grande sem parecer, é possível ser forte sem gritar, é possível liderar sem subir em pedestal nenhum.

Linha do tempo: a vida de José Mujica

  • 1935 – Nasce José Alberto Mujica Cordano em 20 de maio, em Montevidéu, Uruguai
  • 1950 – Começa a se envolver em atividades políticas inspiradas por ideais nacionalistas
  • 1956 – Ingressa no Partido Nacional, em sua ala mais progressista
  • 1960 – Abandona a política partidária tradicional e se aproxima de movimentos sociais
  • 1962 – Passa a integrar o Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros (MLN-T)
  • 1964 – Participa de suas primeiras ações armadas com o grupo Tupamaros
  • 1969 – Ganha notoriedade ao participar de assaltos políticos e redistribuição de alimentos
  • 1970 – É preso pela primeira vez por envolvimento com ações guerrilheiras
  • 1971 – Escapa da prisão junto com outros 100 presos em fuga coordenada
  • 1972 – É recapturado após novo envolvimento com ações armadas
  • 1973 – Após o golpe militar, Mujica é declarado “refém” do regime e mantido incomunicável
  • 1974 – Começa a cumprir longos períodos de confinamento em solitárias
  • 1976 – Sofre diversas torturas físicas e psicológicas durante o regime militar
  • 1980 – Sobrevive a tentativa de suicídio em uma das solitárias
  • 1985 – É libertado após a redemocratização do Uruguai, com a anistia aos presos políticos
  • 1986 – Participa da fundação do Movimento de Participação Popular (MPP), dentro da Frente Ampla
  • 1989 – Concorre pela primeira vez a um cargo eletivo, sem sucesso
  • 1994 – É eleito deputado pela Frente Ampla
  • 1999 – É eleito senador pela primeira vez, ganhando destaque nacional
  • 2001 – Casa-se com Lucía Topolansky, companheira de militância e também política
  • 2004 – Assume o Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca no governo de Tabaré Vázquez
  • 2005 – Implementa políticas de incentivo à agricultura familiar no ministério
  • 2008 – Renuncia ao ministério e volta ao Senado, já como um nome forte para a presidência
  • 2009 – Vence as eleições presidenciais com mais de 52% dos votos
  • 2010 – Toma posse como presidente do Uruguai em 1º de março
  • 2011 – Ganha destaque mundial ao continuar morando em seu sítio e dirigir seu fusca azul
  • 2012 – Legaliza o casamento homoafetivo e avança na regulação da maconha
  • 2013 – Assume postura crítica contra o consumismo em discurso na ONU
  • 2014 – Encerra o mandato com altos índices de aprovação
  • 2015 – Retorna ao Senado após deixar a presidência
  • 2016 – Lança o livro “Una oveja negra al poder”, com entrevistas e reflexões
  • 2017 – Recusa convite para concorrer novamente à presidência
  • 2018 – Renuncia ao Senado, alegando cansaço e idade avançada
  • 2019 – Volta ao Senado para apoiar a Frente Ampla nas eleições nacionais
  • 2020 – Anuncia aposentadoria definitiva da política
  • 2021 – Revela diagnóstico de câncer no esôfago e limita aparições públicas
  • 2022 – Passa a escrever textos sobre ética, natureza e juventude
  • 2023 – Reaparece em universidades e encontros populares, mesmo debilitado
  • 2024 – Recusa tratamento invasivo contra o câncer e diz estar “em paz com a vida”
  • 2025 – Morre em 13 de maio, aos 89 anos, em Montevidéu, ao lado da esposa e amigos próximos
  • 2025 – Fusca azul é preservado como patrimônio cultural do Uruguai
  • 2025 – Líderes mundiais, ativistas e cidadãos comuns homenageiam seu legado

Adeus, Pepe. Sua direção agora é eterna. E seu carro, parado na garagem da história, continua nos ensinando a andar.

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