PlatôBR: Lula reedita versão caixeiro-viajante e, no Japão, cutuca Trump

No terceiro e penúltimo dia de visita oficial ao Japão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reassumiu seu lado “caixeiro-viajante” e exortou empresários japoneses a investir no Brasil durante um encontro no qual, ao lado do primeiro-ministro Shigeru Ishiba, aproveitou para cutucar o presidente americano Donald Trump, ainda que sem citá-lo nominalmente.

Lula e Ishiba participaram de um fórum empresarial que reuniu representantes de dezenas de companhias dos dois países, como Mitsui, Toyota, Vale e Embraer. Ao discursar, o presidente brasileiro, dirigindo-se ao primeiro-ministro, mencionou três preocupações que, nas palavras dele, deveriam nortear chefes de Estado e de governo e os povos democráticos do mundo: os riscos à democracia em razão do avanço da “extrema direita negacionista”, as ameaças ao livre comércio e a necessidade de manutenção do multilateralismo.

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“Nós temos três preocupações que devem nortear todos os presidentes, todos os primeiros-ministros e todos os povos democráticos do mundo. Nós temos que primeiro brigar muito pela democracia. A democracia corre risco no planeta, com eleição de uma extrema direita negacionista que não reconhece sequer vacina, não reconhece sequer a instabilidade climática e não reconhece sequer partidos políticos, sindicatos e outras coisas. E a negação da política não trará nenhum benefício para a humanidade. Inclusive, os negacionistas não querem sequer atender o cumprimento do Protocolo de Kyoto (provavelmente, nesse ponto, ele quis se referir ao Acordo de Paris)”, disse Lula, antes de passar aos outros dois temores.

“A segunda coisa que nós precisamos defender muito bem e com muita força é a questão do livre-comércio. Nós não podemos voltar a defender o protecionismo. Nós não queremos uma segunda Guerra Fria. O que nós queremos é comércio livre para que a gente possa, definitivamente, fazer com que nossos países se estabeleçam no movimento da democracia, no crescimento econômico e na distribuição de riqueza”, afirmou.

“Outra coisa que nós não podemos esquecer, primeiro-ministro, é a manutenção do multilateralismo. É muito importante a relação entre os países. É muito importante a relação política. É muito importante a relação entre universidades. É muito importante a troca de experiências científica e tecnológica. É muito importante a relação entre os sindicatos. É muito importante a relação entre os partidos políticos. E, sobretudo, é muito importante a relação entre os povos. Porque nós não queremos mais muros. Nós não queremos mais Guerra Fria. Nós não queremos mais ser prisioneiros da ignorância. Nós queremos ser livres e prisioneiros da liberdade”, concluiu, referindo-se, mas sem citar, à conhecida reserva de Trump a órgãos multilaterais, como a OMC (Organização Mundial do Comércio) e a própria ONU (Organização das Nações Unidas).

Estabilidade e segurança jurídica

Na parte do discurso em que se dirigiu aos empresários, Lula se esforçou para destacar que o Brasil está comprometido em oferecer garantias àqueles que quiserem investir no país. Falou de estabilidade política, econômica e jurídica. “Ninguém pode ser pego de surpresa com mudança de lei, com mudança de decreto, com mudança de portaria a todo santo dia. É preciso que a regra do jogo seja estabelecida da mesma forma que a regra do jogo de um campeonato de futebol”, declarou.

Como prova da estabilidade política, ele mencionou a presença, em sua comitiva, dos presidentes da Câmara e do Senado, Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). “Quando eu fui candidato a presidente da República pela terceira vez, eu dizia que era importante trazer o Brasil à normalidade política e à civilidade democrática. E naquela ocasião eu dizia que era preciso ter estabilidade política e ela está mostrada aqui”, disse, com Motta e Alcolumbre sentados na primeira fileira da plateia.

Ao falar da economia, o presidente lembrou que o Brasil contrariou expectativas, inclusive do FMI, e cresceu mais de 3% no primeiro e no segundo anos de seu governo e, em seguida, ousou: disse que o primeiro-ministro japonês pode esperar que o crescimento neste ano seja ainda maior: “Posso garantir ao primeiro-ministro Ishiba que iremos crescer mais em 2025 porque eu acho que o Brasil precisa sair do rol dos países em desenvolvimento e se transformar num país finalmente desenvolvido”.

‘Porto Seguro’

Retomando o figurino de caixeiro-viajante, expressão da qual gostava quando esteve na Presidência pela primeira vez, Lula disse que os japoneses podem considerar o Brasil como um porto seguro para seus investimentos, da mesma forma que foi para os primeiros japoneses que desembarcaram no país, no início do século XX: “Quero convidar os japoneses a investirem no Brasil, porque o Brasil é um porto seguro, como foi para os japoneses em 1908, nós queremos ser em 2025 atraindo parcerias, joint ventures e investimentos japoneses no nosso país”. “Nós queremos vender e queremos comprar, mas, sobretudo, nós queremos compartilhar alianças entre as empresas japonesas e as empresas brasileiras para que a gente possa crescer juntos”, prosseguiu mais adiante.

Lula se queixou da diminuição do comércio entre Brasil e Japão, que em 2011 atingiu a marca de US$ 17 bilhões e limitou-se a US$ 11 bi no ano passado. “Algo não andou bem na nossa relação e é preciso aprimorá-la.” No encontro empresarial foi anunciada a compra pela companhia aérea japonesa Ana (All Nippon Airways) na de 15 aviões da Embraer, com possibilidade de o pedido incluir mais cinco aeronaves. O negócio envolve cifras que se aproximam da casa dos R$ 10 bilhões. Os presidentes da Ana e da Embraer assinaram o acordo ao lado de Lula e de Ishiba.

Encontro bilateral

Horas mais tarde, em uma reunião bilateral com o primeiro-ministro no Palácio Akasaka, antiga residência do príncipe herdeiro do Japão construída em estilo neobarroco e que foi transformada em local de cerimônias do governo, Lula repisou o que havia dito pela manhã, mas foi mais específico em alguns tópicos. Ele defendeu a necessidade de aproximação entre países relevantes como Brasil e Japão num momento histórico em que a “democracia corre risco no planeta Terra” e o “protecionismo volta a ser debatido em alguns países importantes”. E se mais cedo o presidente brasileiro havia falado em uma nova versão da Guerra Fria sem citar os envolvidos, desta vez ele mencionou Estados Unidos e China.

Ao final do encontro bilateral, do qual participaram também ministros dos dois países, Lula e Ishiba fizeram uma declaração conjunta diante de suas equipes de governo e de jornalistas. Trump voltou a ser personagem oculto na fala do presidente. “Entendemos que o mundo atravessa uma situação política difícil, uma situação econômica complicada e muita insensibilidade na relação entre Estados”, afirmou a certa altura. “Nós estamos vendo países que simbolizavam a ação democrática sofrendo o risco de desestabilização pela função e participação da extrema direita”, disse Lula em outro momento da declaração conjunta.

Diplomacia da carne

Ao listar os resultados práticos da viagem ao Japão, que incluem visitas bilaterais alternadas dos chefes de governo a cada dois anos, Lula não falou sobre o desejo do governo do Japão de liberar a importação de carne bovina brasileira – um dos temas mais relevantes das conversas com os japoneses desde o início da visita. Coube a Ishiba, porém, fazer menção ao assunto.

Além de confirmar o envio de uma missão técnica ao Brasil para fazer uma inspeção sanitária, passo primordial para destravar as importações, o primeiro-ministro anunciou que os desdobramentos da negociação ganharão mais atenção e passarão a ser tratados a partir de agora em nível de cúpula, nos dois governos. Não foi anunciada, porém, uma data para que as operações de importação, nas quais frigoríficos brasileiros estão interessados em razão do tamanho do mercado japonês (US$ 4 bilhões por ano), possam começar sem amarras

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