MP alega perigo comum e motivo torpe, e denuncia atiradores e intermediários por ataque forjado contra ex-prefeito de Taboão da Serra


Plano tinha como objetivo alavancar candidatura à reeleição em 2024, segundo a Polícia Civil e Ministério Público de São Paulo. José Aprígio foi ferido por tiro de fuzil em campanha; mandantes ainda não foram formalmente identificados por investigadores. Delator fala sobre falso atentado a prefeito de Taboão da Serra em SP
O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) denunciou cinco pessoas por tentativa de homicídio com quatro qualificadoras pelo planejamento e execução de um ataque contra o então prefeito e candidato à reeleição de Taboão da Serra (SP), José Aprígio (Podemos), em outubro do ano passado.
De acordo com a representação do MP enviada para a Justiça na segunda-feira (24), ficou confirmado que duas pessoas atuaram como intermediários para o planejamento do crime e outros três agiram diretamente na execução e fuga do local.
A Promotoria entendeu que houve dolo eventual no crime, e também denunciou os cinco investigados por associação criminosa, adulteração e incêndio de veículo.
A investigação da Polícia Civil e do MP-SP indicou que o ataque a tiros contra José Aprígio, na campanha eleitoral de 2024, foi forjado. O objetivo era alavancar a candidatura dele para a reeleição. No dia 18 de outubro, o então prefeito estava a caminho do Paço Municipal quando o carro dele foi atingido por seis tiros de fuzil. Um dos disparos acertou o ombro de Aprígio. Ele ficou mais de uma semana na UTI e teve alta na véspera do segundo turno da eleição de 2024, mas não se reelegeu.
Outras três pessoas que estavam no veículo – o então secretário municipal Paulo Sérgio da Silva, o motorista José Carlos Oliveira da Silva e o fotógrafo Jesiel Medeiros Morais, que mesmo sem terem sido atingidos, agrava a conduta dos denunciados. Segundo o Ministério Público, além do ex-prefeito, mais 15 pessoas são investigadas por participar direta ou indiretamente do falso atentado, entre eles três ex-secretários. Os mandantes ainda não foram formalmente identificados pelos investigadores.
Denúncia
Os investigadores afirmaram que o grupo político do então prefeito planejou a simulação de um atentado para influenciar os eleitores. Segundo os investigadores, um dos atiradores, que está preso desde 2024, fez um acordo de delação premiada e disse que ele e mais quatro pessoas receberam R$ 500 mil pela tarefa.
O carro oficial usado por José Aprígio no dia do ataque era blindado. Segundo a polícia, os suspeitos de planejar o atentado sabiam disso e imaginavam que esse nível de proteção fosse capaz de suportar tiros de fuzil. Só perceberam o erro quando souberam que o ex-prefeito tinha ficado gravemente ferido.
Na denúncia, o MP alega que os denunciados assumiram o risco de matar os ocupantes do carro por saberem que as armas de fogo escolhidas tinham “alto pode lesivo” e que a blindagem do veículo não era resistente a armas de grosso calibre.
A Promotoria também sustenta que o então prefeito não morreu por não ter regiões vitais atingidas e por ter sido prontamente atendido ao hospital, e que os denunciados tinham ciência de que o veículo usado pelos atiradores estava com as placas, chassi e motor adulterados, com o objetivo de dificultar a identificação do automóvel após a tentativa de homicídio.
Para o MP, os investigados devem responder pelas seguintes qualificadoras para o crime de tentativa de homicídio contra quatro vítimas:
Motivo torpe:
Segundo o MP, o crime foi cometido por motivo torpe, mediante pagamento ou promessa de recompensa. A Promotoria diz que os intermediários e os executores combinaram dividir R$ 500 mil para colocarem o plano na prática, “agindo como verdadeiros mercenários e matadores de aluguel”.
Sem chance de defesa: Para a Promotoria, não houve chance de defesa para as vítimas porque os denunciados surpreenderam as vítimas ao dispararem diversas vezes com fuzil contra o carro, se a possibilidade de reação ao ataque rápido e inesperado.
Armas de uso restrito: A denúncia aponta ainda que a tentativa de homicídio foi praticada com armas de uso restrito, um fuzil modelo AK-47, calibre .556.
Perigo comum: Ainda de acordo com o Ministério Público, os crimes representaram perigo comum porque foram efetuados disparos de arma de fogo de grosso calibre, em dia e local movimentados, colocando em risco a vida e a integridade física de diversas pessoas.
A denúncia também pede que eles se tornem réus pelo crime de associação criminosa, adulteração e incêndio do carro usado pelo crime.
Foram denunciados:
Gilmar Santos, Odair de Santana e Jefferson de Souza: executores do plano
Gilmar e Odair foram os autores dos disparos contra o carro em que estavam o então prefeito José Aprígio, além de um secretário, o motorista e um fotógrafo. Jefferson ajudou a dupla a atear fogo no carro usado e a fugirem do local.
Os três já tinham sido denunciados por tentativa de homicídio qualificado e associação criminosa, mas o MP fez um pedido de aditamento para incluir outras duas qualificadoras para a tentativa de homicídio com dolo eventual: utilização de arma de uso restrito e motivo torpe.
O MP afirma que o crime foi cometido mediante pagamento ou promessa de recompensa e que houve um acordo para a divisão da quantia de R$ 500 mil pela tentativa de homicídio contra o então prefeito, agindo como “verdadeiros mercenários e matadores de aluguel”.
Gilmar está preso e fechou acordo de delação premiada com o Ministério Público. No acordo, ele trouxe detalhes das negociações para o ataque. O delator disse que o ataque foi orquestrado pelo próprio prefeito. A polícia ainda investiga se José Aprígio sabia da farsa. Odair e Jefferson também tiveram a prisão decretada são considerados foragidos.
Anderson da Silva Moura, conhecido como Gordão, e Clovis Reis de Oliveira: intermediários
Segundo a investigação, os intermediários do atentado forjado eram Anderson da Silva Moura, conhecido como Gordão, e Clovis Reis de Oliveira. O MP diz que os dois intermediaram a contratação dos atiradores e deram detalhes do plano. O delator Gilmar afirmou que os dois recebiam informações de um funcionário da prefeitura muito próximo ao prefeito, alguém que se identificava como secretário de obras. A polícia ainda tenta descobrir quem é o homem que se apresentava como secretário de obras.
Anderson foi preso na Operação Fato Oculto, deflagrada no dia 17 de fevereiro de 2025. Clóvis também foi alvo de mandado de prisão, mas está foragido.
A GloboNews procurou a defesa dos denunciados, mas nenhum deles foi encontrado para comentar a denúncia até a publicação da reportagem.
Vídeo
O g1 e o Fantástico tiveram acesso exclusivo às imagens (veja acima) da colaboração premiada que Gilmar de Jesus Santos deu à Polícia Civil e ao Ministério Público (MP).
Em quase 50 minutos de gravação, ele contou que foi contratado por Aprigio e seu grupo político para ajudá-los a criar uma farsa que beneficiaria a reeleição do atual mandatário. Gilmar era procurado por outros crimes e tinha passagem por homicídio.
Foi essa delação, juntamente com outras provas da investigação, que desencadeou a “Operação Fato Oculto”, realizada na semana passada para prender alguns dos alvos e fazer buscas e apreensões em suas residências. As autoridades desmascararam o caso, que antes era tratado como um possível atentado ao prefeito.
“O combinado do que ele [Aprigio] queria, era um ‘susto’, mas um ‘susto’ que desse mídia pra poder passar no Fantástico, pra poder chamar atenção do eleitor. Tipo, como ele sofreu um atentado”, fala Gilmar na filmagem. “O prefeito sabia.”
O programa dominical da TV Globo não mostrou o ataque à época.
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‘Fuzil furava blindagem’, diz delator
Preso Gilmar Santos fez acordo de colaboração premiada na qual contou que ataque do qual participou contra então prefeito José Aprigio foi falso
Reprodução
Aprigio era candidato à reeleição em 18 de outubro de 2024, quando foi atingido de raspão no ombro esquerdo por estilhaços de uma bala de AK-47, arma de origem russa. Seis tiros perfuraram a blindagem da lataria e vidro do carro do político.
“Eu informei para eles que o fuzil furava blindagem. Se fosse só para poder chamar atenção, era perigoso estar atingindo alguém lá dentro”, diz Gilmar, que fala ter desistido três vezes de executar o serviço. “Senti algo ruim, que algo ia dar errado.”
Gilmar contou que ele e Odair Júnior de Santana atiraram de fuzil no carro preto blindado onde estavam Aprígio e mais três pessoas da sua comitiva. Os atiradores ocupavam um carro vermelho usado para simular o atentado fake.
Segundo Gilmar, as conversas entre os executores e os mandantes eram feitas por meio de telefonemas de interlocutores: Anderson da Silva Moura, o “Gordão”, e Clovis Reis de Oliveira. Os quatro iriam dividir R$ 500 mil pelo serviço. Dinheiro esse, de acordo com o delator, pago por Aprigio.
Arma custou R$ 85 mil
Prefeito Aprigio foi baleado no ombro após tiro perfurar vidro blindado de carro.
Reprodução/ José Antonio Teixeira/Alesp / Arquivo pessoal
Segundo Gilmar, a ideia de usar o fuzil era do próprio Aprigio.
“O prefeito tava pedindo pra fazer desse jeito pra parecer… tipo, um fato real. Mas, porém, era só um ‘susto’, só. Aonde que eu propus pra atirar no capô do carro, na frente do carro, para não atingir ninguém. Ele falou que na frente não servia. Só servia na lateral”, diz Gilmar.
Ainda de acordo com Gilmar, o então prefeito também deu R$ 85 mil para secretários do seu governo repassarem aos intermediários, que compraram a arma usada pelos executores na farsa.
“Era um fuzil AK 47. No fuzil, tinha um carregador, tinha quase 50 munição [sic] e em outro carregador tinha 30 munição”, afirma Gilmar. “O dinheiro foi cedido pelo prefeito para comprar o fuzil.”
Atentado de Taboão da Serra: delator expõe detalhes da farsa com ex-prefeito
“Eu vi quando [Odair] deu os primeiros tiros que pegou no vidro, aí eu tomei o fuzil dele e eu que fiz o disparo no pneu. Aí, nessa aí, eu peguei e fui embora”, diz Gilmar. Os executores fugiram pela Avenida Aprígio Bezerra da Silva, que leva o nome do pai do prefeito.
O motorista, um secretário que fazia a sua segurança de Aprigio e um vídeomaker que estavam dentro do Jeep Renegade não se feriram. O fotógrafo/cinegrafista filmou o prefeito sangrando. Em menos de 30 minutos, a equipe dele havia divulgado à imprensa um vídeo editado do ataque.
“O vídeomaker, ao invés de tentar socorrer o prefeito, que seria a coisa mais natural no mundo, ele se preocupa em fazer o quê? Filmar”, afirma o delegado Helio Bressan, que esteve na Delegacia Seccional de Taboão, responsável pelas investigações para esclarecer quem são os envolvidos na farsa.
“Eu só fui nisso aí porque meu intuito não era matar ninguém, pra prejudicar ninguém. Era fazer um atentado e eu ser beneficiado na prefeitura”, diz Gilmar sobre um possível acordo que previa que ele ganharia um cargo público caso Aprigio fosse reeleito. “Esse era meu intuito, não era nem o dinheiro Meu interesse era só ser beneficiado em alguma situação, ter um trabalho, alguma coisa assim”.
Na casa de Aprigio, por exemplo, foram encontrados e apreendidos mais de R$ 300 mil em dinheiro. Ele não foi encontrado pela equipe de reportagem para comentar o assunto. Procurado, seu advogado alegou que o ex-prefeito é inocente.
“Não é crível você pensar que uma pessoa de 73 anos estaria sujeito a receber um tiro de fuzil achando que talvez pudéssemos modificar um certame eleitoral”, disse o advogado Allan Hassan. “Eu tenho convicção de que ao final será demonstrado não só para ele, mas para os seus familiares e toda a sociedade que ele é a vítima nessa história.”
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