Opinião: “o Estado refém”

A captura do Estado pelo narcotráfico e pelas milícias representa uma das mais graves ameaças à soberania, à democracia e à segurança dos cidadãos. Quando organizações criminosas conseguem infiltrar-se no poder público, corrompendo políticos, juízes e agentes de segurança, instaura-se um governo paralelo que mina a autoridade estatal e submete a sociedade ao domínio do crime. Esse fenômeno não se restringe a países em desenvolvimento, nem se manifesta apenas por meio da violência explícita; ele age de forma silenciosa, através da corrupção, da manipulação eleitoral e da garantia de impunidade aos seus agentes. Como afirmou o juiz italiano Giovanni Falcone, um dos mais notáveis combatentes da máfia, o crime organizado é um fenômeno humano e, como tal, possui um ciclo de ascensão e, potencialmente, de declínio. No entanto, parte da culpa recai sobre as elites que, em vez de combaterem a inação do Estado, buscam apenas proteger seus interesses pessoais, erguendo muros mais altos, blindando veículos ou contratando segurança privada.  

O narcotráfico e as milícias não operam apenas à margem da lei; eles buscam ativamente capturar o poder, utilizando estratégias que vão desde o financiamento de campanhas políticas até a infiltração no Judiciário e nas forças de segurança. O financiamento ilícito de candidaturas permite que criminosos elejam representantes comprometidos com seus interesses, garantindo proteção institucional e dificultando investigações e operações policiais. Em diversos países, há evidências concretas de governantes que chegaram ao poder com o apoio de cartéis e grupos paramilitares, promovendo políticas que favorecem a impunidade e a expansão do tráfico de drogas e da atuação miliciana. No Judiciário, a corrupção de magistrados e promotores assegura que investigações sejam arquivadas, processos anulados e criminosos libertados por meio de decisões controversas, minando a credibilidade das instituições. Além disso, a cooptação de setores das forças policiais permite que grupos criminosos operem livremente, utilizando informações privilegiadas para evitar operações ou, em alguns casos, transformando agentes do Estado em executores de seus interesses. Estaria o Brasil passando por essa situação, ou já é uma realidade incontestável?  

As consequências desse cenário são devastadoras. O aumento da violência, impulsionado pela disputa entre facções e pelo enfraquecimento da capacidade estatal de enfrentá-las, é apenas a ponta do iceberg. A economia também sofre impactos severos, uma vez que empresas são extorquidas, investidores se afastam e o crescimento econômico é prejudicado pela insegurança. A confiança nas instituições se deteriora, levando a uma sensação de desesperança e desamparo por parte da população, que passa a ver o crime como um ator político de fato. O crime começa a ditar o comportamento da sociedade, influenciando até mesmo o vestuário e o estilo de vida. Ademais, esse contexto favorece a fuga de talentos e de capital, agravando a crise social e econômica e consolidando o domínio das organizações criminosas sobre amplos setores da sociedade.  

A resistência a essa captura do Estado exige uma resposta coordenada, tanto por parte das instituições quanto da sociedade civil. A primeira medida essencial é o engajamento cívico e político, impedindo que candidatos ligados ao crime organizado cheguem ao poder. Isso exige um eleitorado atento, que investigue o histórico dos candidatos e exija maior transparência e fiscalização dos processos eleitorais. Além disso, a tecnologia e a imprensa independente desempenham um papel crucial, garantindo que denúncias de corrupção e conluio entre criminosos e autoridades sejam amplamente divulgadas, impedindo que casos sejam abafados.  E para piorar, o crime se locupleta da miséria. 

A tolerância em relação ao crime organizado e ao narcotráfico deve ser zero, com penas duríssimas – inclusive um debate sério e objetivo sobre a questão da pena de morte – para aqueles que condenam a sociedade a uma morte lenta. A história já demonstrou que, diante da omissão, conivência e impunidade, o crime organizado expande sua influência até se tornar mais poderoso que o próprio Estado. Gotham City, no universo fictício, ilustra esse cenário, onde a corrupção policial e a impunidade dos criminosos tornam a cidade refém do medo e da desordem. Na vida real, esse risco se manifesta de forma concreta em territórios onde a presença do Estado é mínima e o poder do crime se impõe sobre as instituições e os cidadãos.  

Como ressaltou Edmund Burke, para que o mal triunfe, basta que os bons não façam nada. A luta contra o domínio do narcotráfico e das milícias não pode ser vista como responsabilidade exclusiva das autoridades, pois, quando estas estão corrompidas, cabe à sociedade organizada reivindicar mudanças e pressionar por soluções. Nenhuma democracia pode se sustentar quando seus pilares institucionais estão comprometidos pelo crime. O combate a essa ameaça exige coragem, mobilização e a recusa em aceitar que o destino de um país seja determinado por quadrilhas que agem à margem da lei. O crime pode ser um fenômeno humano, como disse Falcone, mas seu fim depende da determinação daqueles que acreditam na força das instituições e na supremacia da justiça sobre a barbárie. Até quando nos sujeitaremos a essa situação? 

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