Por que algumas cidades perdem jornais locais e outras não?

*por Abby Youran Qin

Por que o jornal da sua cidade desapareceu enquanto o da cidade vizinha manteve o seu?

Isso não é azar –é um padrão sistêmico. Desde 2005, os EUA perderam mais de 1/3  de seus jornais locais, criando “desertos de notícias” onde a corrupção tem  maior probabilidade de  se espalhar e as comunidades podem se tornar politicamente polarizadas.

Minha pesquisa, publicada no Journalism & Mass Communication Quarterly, analisa os fatores por trás do declínio dos jornais locais de 2004 a 2018. O estudo identifica 5 fatores principais —que vão da disparidade racial às forças de mercado— que determinam quais cidades perdem seus jornais e quais superam as probabilidades.

Os jornais seguem o dinheiro, não as necessidades da comunidade

Poderíamos esperar que os meios de comunicação gravitassem em direção a áreas onde seu trabalho é mais necessário –comunidades que vivenciam crescimento populacional ou enfrentam desafios sistêmicos. Mas, na realidade, os jornais, como qualquer negócio, tendem a prosperar onde os recursos financeiros são maiores.

Minhas análises sugerem que os jornais locais sobrevivem onde assinantes abastados e anunciantes abastados se concentram. Isso significa que os subúrbios brancos e ricos mantêm seus cães de guarda, enquanto comunidades de baixa renda e diversas perdem os seus.

Quando a brutalidade policial aumenta, quando os escritórios de assistência social negam pedidos, quando autoridades locais desviam fundos —esses são os momentos em que as comunidades mais precisam de seus jornalistas.

Comunidades pobres e racialmente diversas enfrentam frequentemente o policiamento mais severo e interagem mais com burocratas de rua do que cidadãos mais ricos. Isso as torna mais vulneráveis  ​​à corrupção e à má conduta governamental. No entanto, essas mesmas comunidades são as primeiras a perder seus jornais, porque não há imobiliárias de luxo comprando anúncios e poucos moradores podem pagar as assinaturas mensais.

Sem o escrutínio jornalístico, os estudiosos constatam que a má gestão prospera, os custos da corrupção disparam e as comunidades mais vulneráveis ​​a abusos recebem a menor responsabilização. É assim que os desertos de notícias exacerbam a desigualdade.

Os jornais não atendem adequadamente às comunidades diversas

Imagine a seguinte situação: uma Redação envia seus repórteres, a maioria brancos, para um bairro negro –mas só depois de relatos de tiros ou incêndios em prédios. Os moradores, ainda em choque, não querem falar. Então, os jornalistas ligam para os mesmos 3 líderes comunitários que sempre citam, publicam a história trágica e desaparecem até a próxima crise. Essa abordagem, frequentemente chamada de “jornalismo paraquedista”, resulta em uma cobertura superficial que pinta a comunidade de forma negativa, ignorando suas complexidades.

Ano após ano, o padrão se repete. Os moradores só veem seu bairro no jornal quando algo terrível acontece. Nenhuma reportagem especial sobre o restaurante familiar comemorando seu 20º aniversário, nenhum repórter na prefeitura quando o novo chefe de polícia é questionado sobre a abordagem policial —só o barulho constante de crime e crise.

É de se admirar que comunidades racialmente diversas parem de confiar e pagar por esse jornal? Não quando muitas famílias negras da classe trabalhadora mal conseguem pagar a assinatura do jornal em suas contas.

Bairros diversos são duplamente afetados. Primeiramente, seus jornais locais não os representam adequadamente. Depois, quando as pessoas, compreensivelmente, se afastam, as assinaturas caem, os anunciantes recuam e os veículos fecham, deixando comunidades inteiras sem voz.

Só nos últimos anos, mais veículos de comunicação começaram a se esforçar para se envolver e refletir as comunidades que atendem. No entanto, esses esforços são frequentemente liderados por organizações de mídia mais novas, com ideologias inovadoras, enquanto muitos veículos de comunicação tradicionais permanecem presos a práticas tradicionais de reportagem, como ilustrado em “Imagined Audiences”, de Jacob Nelson. Embora minhas análises do declínio dos jornais locais de 2004 a 2018 pintem um quadro frustrante, a tendência emergente do jornalismo voltado para a comunidade promete mudanças positivas em comunidades diversas.

O crescimento populacional nem sempre salva os jornais

É fácil presumir que mais pessoas = mais leitores = organizações de notícias mais saudáveis. Mas minha pesquisa conta uma história diferente: condados com maior crescimento populacional, na verdade, tiveram maiores declínios nos jornais locais.

O problema está em quem está se mudando: o crescimento populacional só salva jornais quando acompanhado de riqueza. Os recém-chegados ricos atraem assinaturas e a atenção dos anunciantes. Mas o crescimento impulsionado por altas taxas de natalidade, tipicamente observado em áreas menos desenvolvidas com mais minorias raciais e étnicas, não se traduz em receita. Em suma, o crescimento por si só não basta –o que importa é o tipo de crescimento e o poder econômico por trás dele.

Isso destaca a fragilidade do jornalismo dependente do mercado. A lacuna de notícias vivenciada por comunidades em rápido crescimento pode persistir onde o jornalismo local depende principalmente de publicidade tradicional e receitas de assinaturas, em vez de fontes de receita diversificadas, como subsídios e doações filantrópicas. Estas últimas, que frequentemente se concentram nas necessidades da comunidade em vez do potencial de lucro, têm maior probabilidade de ajudar a sustentar o jornalismo em áreas com crescimento populacional significativo.

Os jornais dos vizinhos podem salvar o seu

Você poderia pensar que a competição entre jornais seria acirrada. Mas em uma era de declínio, minhas análises revelam uma verdade contraintuitiva: o jornal da sua cidade, na verdade, tem mais chances quando as comunidades vizinhas mantêm os seus.

Em vez de competir, jornais vizinhos frequentemente se tornam aliados, compartilhando notícias de última hora, dividindo custos investigativos e atraindo anunciantes que buscam alcance regional. Embora essa colaboração às vezes possa fazer com que os jornais percam sua identidade local, ter algum jornalismo local ainda é melhor do que nada. Isso assegura algum nível de responsabilização, mesmo que as notícias não sejam tão focadas nas necessidades específicas de cada cidade.

O jornalismo local resiliente se agrupa. Quando um jornal investe em reportagens originais, seus vizinhos geralmente também se beneficiam. Quando empresas regionais apoiam múltiplos veículos, todo o ecossistema jornalístico se torna mais sustentável.

Esquerda ou direita? Os jornais locais morrem de qualquer maneira

Nesta era altamente polarizada, verifica-se não haver ligação significativa entre a composição partidária de um condado e sua capacidade de manter jornais.

Centros urbanos como Chicago mantêm uma mídia robusta graças à  sua alta densidade populacional e aos anunciantes corporativos, não porque votam nos democratas. Enquanto isso, jornais em áreas rurais conservadoras podem sobreviver cultivando leitores fiéis em suas comunidades.

Em contraste, comunidades com renda mais baixa e uma população diversificada perdem pontos de venda, não importa se são vermelhos, azuis ou roxos.

Batalhas partidárias podem dominar as manchetes nacionais, mas a sobrevivência do jornalismo local depende de fatores práticos como dinheiro e tamanho do mercado. Salvar o jornalismo local não é um debate de esquerda X direita –é uma questão comunitária que exige soluções apartidárias.


Abby Youran Qin é doutoranda na Escola de Jornalismo e Comunicação de Massa da Universidade de Wisconsin-Madison. Este artigo foi republicado do Conversation sob uma licença Creative Commons.


Texto traduzido por Bruna Rossi. Leia o original em inglês.


O Poder360 tem uma parceria com duas divisões da Fundação Nieman, de Harvard: o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports. O acordo consiste em traduzir para português os textos do Nieman Journalism Lab e do Nieman Reports e publicar esse material no Poder360. Para ter acesso a todas as traduções já publicadas, clique aqui.

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