Avenida Senador Lemos: conexão extensa entre passado e presente

Por quem passa apressado, a avenida Senador Lemos é apenas uma via que corta boa parte de Belém, integrando bairros como Umarizal, Telégrafo, Sacramenta, início do Reduto e também ligando outros como Pedreira e Val-de-Cans. Mas, basta observar com mais atenção para perceber a via carrega mais que asfalto: ela cruza memórias, transformações e desafios urbanos que refletem o crescimento da capital paraense.Por trás do vai e vem de carros, há uma verdadeira linha do tempo da cidade. De espaços emblemáticos que ficaram no passado, como o antigo Clube Pororoca, hoje substituído por um colégio, até a chegada de novos empreendimentos, a Senador Lemos é um retrato dinâmico de uma cidade que não para de mudar.De acordo com o professor doutor Raul da Silva Ventura Neto, da Faculdade e do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará (UFPA), a história da avenida começa no século 19, quando surgia nos traçados do bairro do Umarizal. “Ela vai evoluindo no sentido que a gente conhece até hoje – eu, pelo menos, conhecia até a inauguração dos elevados da avenida Júlio César, até os anos 60 –, quando ela se conecta e vira via de acesso para o aeroclube, o antigo aeroporto”.Com o passar dos anos, a avenida deixou de ser apenas uma via local e ganhou papel estratégico na conexão entre bairros como Umarizal, Telégrafo, Sacramenta e Pedreira. “Ela já era uma via de muita importância para Belém, mas ela assume uma importância metropolitana com a inauguração e a conexão dela com os elevados, que permitem que ela sirva aí de um escoamento entre a primeira e a segunda légua da cidade, até mesmo escoamento entre a área metropolitana e o centro da cidade”, destaca.Como outras vias, “que a gente chama de corredores estruturantes da cidade, ela tem se convertido em um corredor de comércio e serviço”, comenta Ventura. “Essa é a principal transformação dos últimos anos. Posso falar dos últimos 20 anos, pelo menos, que é um corredor que, paulatinamente, substituiu o uso residencial pelo uso comercial ao longo da via. Mesmo que tenha eventualmente alguma moradia, isso já é bem menos frequente do que era há 20, 30 anos atrás”, observa.Quer mais notícias sobre Pará? Acesse nosso canal no WhatsAppNa prática, quem vive diariamente a rotina da avenida percebe as mudanças. Manoel Cardoso, de 63 anos, é taxista da Brasil Rádio Táxi, na Praça Brasil, bairro Umarizal, um dos locais mais movimentados da via, e trabalha há 23 anos na região da Senador Lemos. Ele viu, na prática, a transformação da avenida desde o início dos anos 2000.“A mudança foi para melhor. Asfaltaram, fizeram reforma na Praça. Por exemplo, esse ponto de padaria [aponta para a padaria da esquina com a Praça] que tem hoje é recente, não tinha. Antes era outro bar, diferente. Muita coisa mudou, chegou padaria, centro comercial, os prédios foram surgindo. A avenida cresceu muito nesses anos”, lembra.Adenir Pantoja Corrêa, 43, trabalha há pouco mais de um ano na venda de água de coco na Praça Brasil. Para ele, que está de domingo a domingo no ponto de esquina com a avenida, aponta avanços, mas também problemas que ainda persistem. “A gente percebe que a avenida melhorou bastante, desafogou muito o trânsito, principalmente para quem vinha lá da Pedro Álvares Cabral. É uma via que ficou bem mais movimentada, mais viva. A própria Praça Brasil também recebeu melhorias: colocaram postes novos, lixeiras novas, fazem a limpeza todo dia, então, nesse sentido, está bem organizado”, comenta sobre a Praça, um dos cartões postais da Senador Lemos.Ao longo de sua extensão, a via abriga pontos de interesse que refletem a riqueza cultural e histórica da cidade. Entre eles, destacam-se ainda a Paróquia São Raimundo Nonato, localizada no bairro do Umarizal, fundada em 1917; a avenida abriga um shopping center – o IT Center; a Paróquia São Sebastião, desde 1939, localizada no bairro da Sacramenta; ainda no bairro, a Praça do Jaú.

Outro marco significativo é o Parque da Cidade de Belém, atualmente em construção na área do antigo Aeroporto Brigadeiro Protásio – o parque urbano, situado entre as avenidas Brigadeiro Protásio, Júlio César Ribeiro, Senador Lemos e o Complexo Viário Daniel Berg é um dos maiores empreendimentos paisagísticos da cidade, com previsão para servir como principal reduto da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 30.Elielson Barreto Neto, 18, gerencia o ponto de lanches da mãe, na esquina da Senador Lemos com a travessa São Sebastião, no bairro da Sacramenta. Morador do bairro desde que nasceu, conhece bem a rotina da região e garante que é um lugar tranquilo, seguro e acolhedor. “Aqui sempre teve muita paz. As pessoas são unidas, dificilmente a gente vê violência. É um bairro bom de viver”, afirma.Segundo ele, além da Praça São Sebastião, que se destaca pelas opções de comidas típicas e eventos frequentes, o bairro também conta com novos espaços de lazer e esporte, como o Parque da Cidade, que está em construção. Apesar dos elogios, Neto faz um alerta sobre os problemas na sinalização, especialmente nas faixas de pedestres. “O botão que ajudava a parar os carros quebrou, e agora mesmo os motoristas quase nunca param, e isso prejudica muito, principalmente os idosos que precisam atravessar ou pegar ônibus”, reclama.Moradora do bairro há 40 anos, a autônoma Cylene Oliveira, 50, acompanha de perto as transformações da região e percebe avanços, principalmente na segurança. “A Praça Dorothy [localizada em frente ao Parque da Cidade] era insegura, mas com as obras do Parque ficou muito melhor, bem mais segura”, avalia. “A gente percebe mais movimento, muita gente está se atualizando e se preparando para trabalhar na COP 30. A Senador Lemos sempre foi um lugar de muito movimento, mas antes tinha mais aquele clima de bairro, sabe? Hoje tem mais prédios, comércios, ficou mais movimentado, mais acelerado”, comenta Cylene.

Impactos na especulação imobiliáriaO avanço da urbanização e a transformação da avenida Senador Lemos também trazem reflexões sobre os impactos na identidade cultural dos bairros que ela atravessa. O professor Raul alerta que “é preciso ter cuidado em como essas transformações de especialização da via, uma via muito comercial, de escala mais ampliada”. Ele lembra que regiões como Pedreira e Telégrafo sempre foram marcadas por manifestações culturais populares, como terreiros e rodas de Carimbó, que hoje correm o risco de dar lugar a edifícios e comércios. Pensando no presente e no futuro, o professor destaca que o maior desafio está na ocupação desordenada e na especulação imobiliária.“É preciso ter cuidado para que esses espaços, eles ocupem uma função social, que a via possa concentrar em edifícios multifamiliares para baixa e média renda; e, para isso, é preciso que a cidade encare com uma certa seriedade o controle dos empreendimentos de grande impacto que devem surgir em torno do Parque da Cidade e possivelmente utilizando o Senador Lemos”, conclui.

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