A lei de ação e reação

Antes de ser atacado, Israel lança uma operação avassaladora contra o IrãReprodução/X

No ambiente que, mesmo antes dos ataques da semana passada já vinha se mostrando cada vez mais tenso e conturbado no Oriente Médio, estranho seria se o governo de Israel ficasse inerte diante das ameaças crescentes do Irã.

Ainda mais depois que essas ameaças deixaram o campo da retórica e se transformaram na possibilidade de um ataque nuclear. Nos últimos dias, na medida em que ficava claro que o governo de Teerã já tinha acumulado material radioativo suficiente para produzir pelo menos quinze bombas nucleares, o governo dos aiatolás vinha elevando o tom habitual de suas ameaças recorrentes a Israel. 

“Definitivamente, o regime sionista é a fonte de corrupção, guerra e discórdias”, disse poucos dias atrás o aiatolá Ali Khamenei, chefe supremo da ditadura iraniana. “O regime sionista, que é um tumor letal, perigoso e cancerígeno, deve certamente ser erradicado — e será”.

Não foi a primeira ameaça do gênero. “A promessa divina de eliminar a entidade sionista será cumprida e veremos o dia em que a Palestina se levantará do rio ao mar”, disse Khamenei ao chefe dos terroristas do Hamas, Ismail Haniyeh, que foi a Teerã participar do funeral do presidente Iraniano, Ebrahim Raisi em maio do ano passado. 

Se acreditou ou não nas palavras de Khamenei, é um segredo que Haniyeh levou para o túmulo. Um ou dois dias depois de ouvir as ameaças, o terrorista foi eliminado em um ataque preciso de Israel contra o edifício em que ele estava hospedado, no coração de Teerã. Foi uma ação surpreendente, que serviu para demonstrar a capacidade do serviço secreto de promover ações cada vez mais precisas para combater os inimigos de Israel. O problema é que, quanto mais essa capacidade era demonstrada, mais o Irã avançava em sua intenção de destruir o inimigo.  

Para piorar um clima que já não era bom, o governo iraniano já há algum tempo deixou de fornecer à Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA, na sigla em inglês) informações sobre o andamento de seu programa nuclear. De acordo com os levantamentos dos cientistas, o país teria avançado com o programa de enriquecimento de urânio e estocado até 40 vezes mais material do que necessita para abastecer suas usinas de geração de energia elétrica.  

Como a estocagem de material radiativo é uma operação arriscada e onerosa, a conclusão óbvia era a de que o excedente estaria sendo usado para fins militares. E que o Irã já tinha urânio suficiente para produzir bombas nucleares em quantidade suficiente para aniquilar Israel e espalhar o terror pelo mundo inteiro. 

Diante da recusa recorrente do Irã em compartilhar os dados de seu programa nuclear, o mundo resolveu agir. Na quinta-feira passada, a IAEA aprovou uma resolução que acusava o país persa de descumprir o Acordo de Não Proliferação de Armas Nucleares. Entre os 35 votos possíveis, houve 19 a favor da resolução, que tinha sido apresentada em conjunto pelos Estados Unidos, pela Grã-Bretanha e pela Alemanha. Houve três votos contrários e onze abstenções — entre as quais a do Brasil. A omissão significou, para bom entendedor, apoio ao Irã. Mas o governo de Teerã não mostrou a mínima preocupação com a censura que recebeu. Tanto isso é verdade que não apenas desconsiderou a advertência como ainda informou que, ao invés de recuar, ampliaria sua capacidade de enriquecimento do material radioativo.  

Informações de inteligência que circularam no sábado davam conta de que o Irã, com ou sem o aparato atômico, vinha preparando um ataque em massa a Israel — usando como escudo as negociações que vinha mantendo com os Estados Unidos em relação a seu programa nuclear. O que os espertalhões não contavam era que Israel já estava com tudo pronto e lançaria uma ofensiva em larga escala antes de receber o primeiro disparo. 

Apoio em terra

Horas depois da resposta indiferente do Irã à censura da IAEA, na madrugada de sexta-feira passada, noite de quinta-feira no Brasil, mais de 200 aviões, conduzidos por pilotos altamente treinados e equipados com armamentos de altíssimo poder destrutivo, decolaram de suas bases em Israel em direção a pontos estrategicamente escolhidos no Irã. Eles foram orientados por informações colhidas pela inteligência israelense, que há meses vinha mapeando os alvos estratégicos do sistema de defesa do Irã. 

Enquanto os pilotos se dirigiam aos alvos, agentes infiltrados em território iraniano deram início a uma operação planejada em detalhes milimétricos e suportada por recursos de alta tecnologia. No primeiro momento, mísseis de precisão, ocultos em solo, foram lançados contra as defesas antiaéreas iranianas. Quase ao mesmo tempo, sistemas de ataque camuflados em veículos civis entraram em ação e ajudaram a neutralizar as ameaças aos caças israelenses. Finalmente, drones com alto poder destrutivo, previamente infiltrados, atacaram os sistemas de lançamento de mísseis na base de Esfajabad, nos arredores de Teerã. 

O apoio em terra foi essencial para uma considerável redução do risco para que os pilotos cumprissem as missões. Os alvos prioritários foram a usina nuclear de Natanz, cérebro e coração do programa atômico dos aiatolás, instalações militares e a sede da chamada Guarda Revolucionária — um grupo militar típico das ditaduras mais sanguinárias. Assim como as SS, de Adolf Hitler, e a Guarda Bolivariana, de Nicolás Maduro, a Guarda Revolucionária do Irã é uma força militar paralela ao exército regular. Integrada por fanáticos, de lealdade comprovada ao regime e a seus chefes, ela é a principal força de sustentação da ditadura e age contra a própria população, sob ordens diretas dos clérigos que dominam o país com mão de ferro. 

Entre as vítimas do ataque certeiro estão o comandante da Guarda Revolucionária, Hossein Salami, o comandante das Forças Armadas, Mohamad Bagheri, e o comandante das Forças Aeroespaciais do país, Amir Ali Hajizadeh. Também estão seis cientistas que conduziam o programa nuclear e outros militares importantes. 

Dezenas de aviões militares iranianos foram destruídos ainda em solo, sem conseguir decolar e reagir. O sistema de defesa antiaérea e o sistema ofensivo de mísseis do país entraram em colapso no primeiro momento, provavelmente por ação de sabotadores do Mossad, o serviço secreto israelense. De acordo com o gabinete do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, o que houve não foi uma operação isolada — como o ataque à embaixada do Irã em Damasco, capital da Síria, em abril do ano passado.  

O objetivo naquele momento era eliminar Mohammad Reza Zahedi, cabeça das chamadas Forças Quds, o elo de ligação entre a ditadura e os grupos terroristas financiados, treinados e orientados pelo Irã em sua luta contra Israel. Inclusive pelo Hamas, que responsável pelos atentados terroristas de 7 de outubro de 2023.  

O que houve em Damasco foi uma operação isolada, que terminou com o retorno dos aviões F-35 a suas bases. O que se vê neste momento é completamente diferente. O ataque de sexta-feira foi a deflagração de uma guerra que só terminará quando o programa nuclear iraniano estiver comprovadamente aniquilado. 

Conta e risco

A reação do governo iraniano, claro, não demorou. Logo no primeiro momento, foram lançados mais de cem drones contra o território israelense —interceptados com facilidade pelo sofisticado sistema de defesa. Horas depois, com o sistema de lançamentos restabelecido, alguns mísseis mais modernos, com maior poder destrutivo e mais precisão foram lançados pelo Irã contra Jerusalém e Tel-Aviv. Os ataques deixaram, de acordo com os números divulgados até o meio de sábado, três mortos e cerca de oitenta feridos. A maioria dos projéteis, porém, foi contida pelo sistema de defesa. 

Ainda é cedo para saber qual será o peso e a intensidade da reação israelense ao contra-ataque iraniano. O que se sabe é que o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu está não apenas preparado como também disposto a agir para impedir que o Irã se transforme numa ameaça nuclear.

Horas antes do contra-ataque, as autoridades de Defesa de Israel já tinham emitido um comunicado que não poderia ser mais claro. “Agora que os céus do Irã estão completamente abertos e indefesos, seus líderes precisam tomar uma decisão: se nos atacarem, atacaremos suas refinarias e destruiremos sua economia. Se nos permitirem destruir suas instalações nucleares sem uma resposta dura, deixaremos suas refinarias intactas”. 

Se a ameaça de agir contra as refinarias iranianas se cumprirá ou não são outros quinhentos. Como era de se esperar, o aiatolá Ali Khamenei não se mostra disposto a ceder — e continuou lançando as ameaças habituais a Israel e aos Estados Unidos. A propósito, nos últimos dias o presidente dos Estados Unidos vinha insistindo na solução negociada, que os iranianos usaram como cortina de fumaça para concluir seus planos de ataque. Diante da impossibilidade de um entendimento que levasse a ditadura a conter suas ambições nucleares, a Casa Branca deu a carta branca que permitiu a Israel para agir por sua conta e risco.  

Depois do ataque preciso, Khamenei retomou o palavreado hostil para reiterar as ameaças que faz a Israel mesmo antes de, em 1989, substituir o aiatolá Ruhollah Khomeini como “líder supremo” da ditadura que fez do Irã em um inimigo declarado dos Estados Unidos e de todo o Ocidente. “O regime sionista revelou sua natureza vil e lançou nesta manhã sua mão perversa e sangrenta em um crime contra o Irã”, disse Khamenei. “Com esse ataque, o regime sionista preparou um destino amargo e doloroso para si mesmo, que certamente receberá.” 

O que acontecerá daqui por diante ainda é incerto e dependerá, é claro, de saber até onde vai a força e capacidade do Irã de se defender dos ataques e, ao mesmo tempo, lançar uma contraofensiva que, de acordo com as ameaças mais recentes, pode se estender às bases militares que os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a França mantêm no Oriente Médio.

Pode, também, dificultar o trânsito de navios pelo estreito de Ormuz, por onde passa atualmente mais de 20% do petróleo consumido no mundo.   Esse é, por sinal, um ponto importante nessa questão. Além das questões geopolíticas e das inimizades milenares que estimulam esse conflito, o petróleo continua sendo um pêndulo vital nessa balança. Embora já não seja tão determinante como era em 1973 e 1978 — quando decidiram promover altas exageradas no preço do barril e empurraram a economia mundial para crises profundas —, a produção do Irã e dos países árabes ainda são fundamentais para o equilíbrio da oferta mundial do combustível.  

Na sexta-feira passada, depois dos ataques israelenses e sem o anúncio de qualquer medida que afetasse a produção e o comércio de petróleo na região, o preço do barril, que vinha caindo desde o início do ano, deu um salto. Depois de ter perdido 12,4% desde janeiro deste ano, a cotação deu uma reviravolta. No fechamento do mercado na sexta-feira passada, o barril foi negociado a US$ 71,52. Isso é 5,11% acima do fechamento do dia anterior e 13,5% acima da cotação de um mês atras.  

Momento delicado

Seja como for, a possibilidade de uma ação militar com combates em terra, que coloque um exército frente a frente com o outro, é praticamente nula. Ainda que boa parte de seu sistema de defesa, sua Força Aérea e seu sistema de mísseis não tivessem sido seriamente danificados pelo ataque desta sexta-feira, os líderes iranianos dificilmente ousariam partir para uma ofensiva mais ampla — mesmo porque, isso poderia atrair o Exército dos Estados Unidos para o conflito.  

Sendo assim, os analistas e o próprio Mossad acreditam que ações terroristas isoladas são a única possibilidade de reação ao alcance do Irã — mas, mesmo na capacidade de espalhar o medo sobre Israel e seus aliados, a ditadura iraniana sofreu baques importantes desde que o chefão Mohammad Reza Zahedi e outros comandantes dos Quds foram postos fora de combate no ano passado. 

Seja como for, o momento é delicado e a tensão não se resume ao Oriente Médio. Situações como a atual desencadeiam movimentos de realinhamento das forças globais e apontam para situações em que a neutralidade se mostra praticamente impossível. No momento seguinte ao ataque, líderes do mundo inteiro deram as declarações sobre as hostilidades. A maioria, claro, condenou a ação de Israel e pediu que, a partir de agora, os dois países ajam com moderação.  

É preciso cuidado para avaliar essa condenação. As diplomacias dos países europeus e dos governos totalitários do Oriente Médio, embora não admitam com clareza, deixam transparecer um certo alívio diante da ação israelense. Por menos que manifestem apoio à operação, eles vinham acompanhando com preocupação o avanço de um programa que daria poderio nuclear a um país que demonstra em relação a eles mais divergências do que afinidades. E, mais do que isso, um país que nunca esconde sua intenção de combater qualquer resquício de valor ocidental. 

E o Brasil? Bem… O Brasil, como era de se esperar, ficou do lado do Irã. Depois de se omitir na votação em que a IAEA censurou o Irã por esconder os dados de seu programa nuclear, o Itamaraty, como era praticamente certo que faria, condenou os ataques e a ação preventiva israelense. “O governo brasileiro expressa firme condenação e acompanha com forte preocupação a ofensiva aérea israelense lançada na última madrugada contra o Irã, em clara violação à soberania desse país e ao direito internacional”, diz o governo brasileiro. 

Tudo bem. Desde a posse do atual governo, o Itamaraty não tem medido esforços para servir de ponte entre a ditadura iraniana e o restante do mundo. Por ação do Brasil, o Irã foi admitido no Brics, o organismo multilateral criado como aliança econômica e que vem cada vez mais agindo como um bloco de ação geopolítica entre o tal de “Sul Global” e as grandes democracias ocidentais. A delegação iraniana, por sinal, já havia confirmado presença na cúpula do Brics, que acontecerá nos dias 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro. Será que ela virá? 

As consequências dessa nova guerra sobre o Brasil, claro, dependerão da habilidade que tem faltado à diplomacia brasileira para conduzir a questão com equilíbrio e isenção e impedir que o evento não perca seu rumo. Infelizmente, porém, o Itamaraty, que já foi uma das instituições mais respeitadas da diplomacia mundial, vem perdendo influência desde que passou a se orientar mais pelas afinidades ideológicas de sua cúpula do que pelos interesses estratégicos do país. 

O encontro deveria servir para o Brasil se posicionar como uma potência energética global e capaz de liderar a corrida pela transição energética e pela economia verde. O risco, porém, é dele se transformar em palco de defesa da ditadura iraniana — o que pode afastar o Brasil ainda mais do bloco das potências ocidentais. 

O certo é que uma semana que, no ponto de vista do Oriente Médio, começou com a ação que impediu o grupo liderado pela militante Greta Thunberg, do qual fazia parte o candidato derrotado do PSOL à Câmara Federal, Thiago Ávila, de entrar na faixa de Gaza, numa ação de apoio aos terroristas do Hamas, terminou com a região mergulhada em mais uma guerra. Uma guerra que, pelo andar da carruagem, pode terminar com uma mudança profunda no cenário da região e talvez até com a queda da ditadura iraniana. Disposição para chegar a esse ponto, Netanyahu já demonstrou que tem. Resta saber se terá forças. 

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