O TikTok tem formado mais leitores do que a escola: um sintoma do fracasso do sistema educacional contemporâneo

Fui um menino de sorte. Minha mãe era bibliotecária do colégio em que estudava, e durante as férias, em mais de uma ocasião, desfrutei da chance de ir para a escola. Estranho, não? Mas era assim mesmo. Passavam-se semanas em que aquele gigantesco pavilhão marrom era só meu, incluindo-se, claro, a biblioteca, onde lia e relia Monteiro Lobato (1882-1948), Fernando Sabino (1923-2004), Ziraldo (1932-2024), Ganymédes José (1936-1990), e, cansado de tanto bater pestana, ia devorar morangos no vergel dos fundos do terreno. Em assim sendo, não consigo deixar de sentir certo desconforto quando vejo que há crianças que atravessam toda a sua confusa jornada letiva brigando com seus demônios e com os pais a fim de aceitar a dura realidade de que necessitam ir à escola, aquele templo do saber, pomposo, solene, cheio de salamaleques e de reservas. Para mim, contudo, a escola foi sempre um espaço de instigação, de desafio — e frise-se que estudei em instituições muito boas, talvez por isso mesmo. Tentava adivinhar o que guardavam para mim os livros e suas novas palavras, os números quilométricos das equações, os enigmas do corpo humano, dos bichos e das plantas, materializados em vidros de maionese nas estantes do laboratório, defendido por um medonho esqueleto de plástico.

Já tenho idade para socorrer-me da expressão “no meu tempo”. Pois bem, no meu tempo, era na escola, onde, mais que decodificar letras e fonemas para compor vocábulos e interpretar texto, aprendia-se a tomar gosto pelos livros. Não é de hoje, todavia, que observa-se um fenômeno curioso. A escola tem perdido relevância e não tem mais o condão de despertar no alunado a sede vital pelo conhecimento. Esse papel tem cabido, ambiguamente, a plataformas como o TikTok — e, em específico, a um tal BookTok, uma sua comunidade —, responsáveis por instilar a garotada e os jovens adultos na busca por envolver-se com leituras, que, sem nenhum espanto, correspondem ao nível de excelência desses meios. É desse caldo de informação picotada e pouco crível, propósitos atabalhoados e nenhuma base histórico-cultural que cria-se gente como Colleen Hoover, Taylor Jenkins Reid e V.E. Schwab. Cada geração tem os Lobatos, Sabinos, Ziraldos e Ganymédes que merece (ou consegue).

Também é forçoso pontuar que uma causa bastante razoável para esse paradoxo da educação reside no próprio modelo educacional que ainda vige, em muitos aspectos herdeiro do século 19: centrado na autoridade do professor, com currículo engessado, ausência de interdisciplinaridade e pouca valorização da subjetividade dos alunos. A leitura, nesse contexto, vira um instrumento de avaliação e não de prazer. A escola insiste em iniciar o ensino literário por obras distantes da realidade dos estudantes, muitas vezes ignorando a mediação que deveria existir entre o texto e o leitor. Resultado: uma geração que associa leitura à obrigação, não à descoberta. Enquanto isso, o TikTok, com seu algoritmo afiado e sua linguagem fluida, entrega ao jovem exatamente o que ele quer — e mais: mostra que outros jovens também estão lendo, criando um senso de pertencimento e comunidade. A escola, por sua vez, ainda se debate entre livros obrigatórios e uma pedagogia que não acompanha as transformações culturais do século 21. O TikTok, ao contrário, soube compreender a linguagem do tempo e entregar experiências significativas em poucos segundo — algo que o sistema educacional ainda luta para entender.

O sucesso do BookTok e o fracasso da escola no que toca à formação de leitores são dois lados da mesma moeda. Os jovens ainda desejam ler, sim — malgrado seus parâmetros, por natural, sejam rudimentares —, mas a escola não descobre um meio de erguer um tantinho que seja o sarrafo. Se quisermos formar leitores críticos, apaixonados e duradouros, será preciso muito mais do que provas e livros impostos: será necessário ouvir, adaptar e, acima de tudo, reinventar, investir, ter a tecnologia por aliada. Não é o TikTok que ensina a ler, é a escola que furta-se a esta sua incumbência, precípua e inescapável. Para evocar outro ídolo do meu tempo, tudo está perdido, mas existem possibilidades.

O TikTok tem formado mais leitores do que a escola: um sintoma do fracasso do sistema educacional contemporâneo

Fui um menino de sorte. Minha mãe era bibliotecária do colégio em que estudava, e durante as férias, em mais de uma ocasião, desfrutei da chance de ir para a escola. Estranho, não? Mas era assim mesmo. Já tenho idade para socorrer-me da expressão “no meu tempo”. Pois bem, no meu tempo, era na escola, onde, mais que decodificar letras e fonemas para compor vocábulos e interpretar texto, aprendia-se a tomar gosto pelos livros. Não é de hoje, todavia, que observa-se um fenômeno curioso.

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