Tom Cruise vive o piloto real que traficava para Escobar e trabalhava para a CIA — ao mesmo tempo

Todos sabemos que o dinheiro move o mundo, bem como também não é original pensar que um décimo da fortuna negociada numa única tarde na Bolsa de Nova York é o suficiente para alimentar comunidades inteiras do Sudão do Sul, o país mais pobre do mundo, por meses. Agora, imagine um piloto comercial que, em 1977, concorda em sobrevoar países sul-americanos e tirar fotos de manifestações comunistas usando uma aeronave espiã fornecida por um burocrata da CIA. Tramas como a que se desenrola em “Feito na América” são tão absurdas que só poderiam mesmo ter sido compostas pela vida como ela é, e Doug Liman tira toda a inspiração que consegue desse caos. Liman serve-se bem dos vários clichês que elenca ao cabo de 115 minutos, abrindo espaço para que personagens às vezes antagônicos entre si integrem núcleos coesos, dando à história o ar de fábula que enverga com gosto. Aqui, tudo quanto importa é manter ardendo a chama de uma rebeldia muito particular, simbolizada por um tipo a um só tempo carismático e perigoso.

O roteiro de Gary Spinelli mira na hipocrisia do jeito americano de se viver, em boa parte financiado pelo dinheiro da indústria do tráfico de entorpecentes, e acerta numa comédia de humor macabro, na qual o mocinho é também um vilão, insólito, aparentemente inofensivo, mas monstruoso. Ninguém jamais sabe ao certo por que Adler Berriman “Barry” Seal (1939-1986) aceitou com tanto gosto o convite para ser o agente duplo do serviço civil de inteligência do governo dos Estados Unidos, mas qualquer possível justificativa deve passar pelas numerosas distorções do capitalismo, independentemente do que Liman e Spinelli tenham querido transmitir. Na abertura, Barry surge como um pai de família de alegria serena, que volta para casa depois de um dia de trabalho a fim de relaxar com a esposa, Lucy, e os filhos. Aos poucos, Barry revela sua natureza impulsiva, paranoica, megalômana, e nessa hora, o diretor ilustra a personalidade sui generis de seu protagonista em cenas feito a que Barry enfrenta sua primeira prova de fogo, decolar com um monomotor recheado com setecentos quilos de pasta base de cocaína de uma pista minúscula perdida no meio da Amazônia colombiana, tudo orquestrado, por evidente, pelas mãos de ferro de Pablo Escobar (1949-1993). Ele arranha a copa de uma árvores mais frondosas, trepida um tanto, mas, como se soubesse o tempo todo que iria conseguir, cumpre sua tarefa, recebe uma mala de dólares e voa para sua Baton Rouge natal, não sem antes presenciar a ofensiva das forças de segurança da Colômbia à fortaleza de Escobar.

Filmes quase experimentais como esse só funcionam graças à autoconfiança e à espontaneidade de seu elenco, e aqui Tom Cruise, para não variar, encanta com a dose de cinismo e aquele ar falsamente ingênuo que é só dele. O sorriso de derreter geleiras na lua serve-lhe para dar todas as pistas erradas que pode quanto à condução do eixo da narrativa, que acaba bem antes do desfecho. “Feito na América” parece um “Top Gun — Ases Indomáveis” (1986), o clássico de Tony Scott (1944-2012) que projetou Cruise para o estrelato, orgulhoso de incorreção política, ou até um dos vários desdobramentos de “Missão: Impossível”, menos pirotécnico e mais astuto. E Tom Cruise tem 99,9% de responsabilidade nisso.

Tom Cruise vive o piloto real que traficava para Escobar e trabalhava para a CIA — ao mesmo tempo

Tramas como a que se desenrola em “Feito na América” são tão absurdas que só poderiam mesmo ter sido compostas pela vida como ela é, e Doug Liman tira toda a inspiração que consegue desse caos. Liman serve-se bem dos vários clichês que elenca ao cabo de 115 minutos, abrindo espaço para que personagens às vezes antagônicos entre si integrem núcleos coesos, dando à história o ar de fábula que enverga com gosto. Aqui, tudo quanto importa é manter ardendo a chama de uma rebeldia muito particular, simbolizada por um tipo a um só tempo carismático e perigoso.

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