Única casa de Niemeyer na cidade de SP é colocada à venda; g1 mostra detalhes da obra de arte


Avaliada em mais de R$ 25 milhões, obra no Alto de Pinheiros reúne arquitetura escultural, história de Brasília e a rara assinatura de Niemeyer em um lar paulistano. Conheça a única casa projetada por Niemeyer em São Paulo
Reconhecido por seus palácios, museus e igrejas, o maior arquiteto brasileiro, Oscar Niemeyer, também traçou suas curvas em algumas poucas residências pelo mundo. A única projetada e construída na cidade de São Paulo abrigou também uma única família.
Spoiler: a casa pode ser sua — mas só se você estiver disposto a investir não menos do que R$ 25 milhões.
Presente de Niemeyer no início dos anos 1960 ao amigo Milton Mitidieri, engenheiro do Palácio da Alvorada e da Catedral de Brasília, a casa no Alto de Pinheiros, bairro nobre da Zona Oeste de São Paulo, foi construída um tempo depois, em 1974, pelo próprio presenteado.
Espaços da Casa Niemeyer, na Zona Oeste de SP
Cíntia Acayaba/g1
“Comentamos com nosso pai que Niemeyer não estava acostumado a fazer casas, que o forte dele era fazer prédio público, mas que ele abriria uma exceção”, contou Milton Mitidieri Filho, um dos quatro herdeiros do engenheiro.
“Na verdade, ele era um arquiteto de obras públicas, e meu pai também era engenheiro de obras públicas.” Mitidieri construiu trechos das rodovias Presidente Dutra, Imigrantes e a Usina Hidrelétrica de Itaipu.
Milton explicou que a amizade nasceu ao longo da construção de Brasília. “O projeto foi engavetado por muito tempo. Somente nos anos 1970 que meu pai decidiu iniciar a obra. Em 1974, a gente se mudou para cá.”
🏠 Mas como é morar em uma “casa-monumento”? Será que a grife Niemeyer só dá status ou confere melhores condições de habitabilidade?
A resposta está em cada detalhe. É viver em um espaço muito menos compartimentado do que as casas e os apartamentos comuns, onde a privacidade é garantida por poucas curvas. Na Casa Niemeyer, há a sensação de se estar fora quando se está dentro, que é promovida pela intersecção dos vidros com os jardins (veja fotos abaixo).
Um aquário no meio do mato
Essa percepção começa logo nos primeiros passos, ao cruzar o portão de entrada. O chão, composto de pedras quadradas que lembram as tradicionais calçadas de São Paulo, conduz por um jardim cheio de vida, com plantas de várias espécies escolhidas e cuidadas pela mãe, Edith Lanfranchi Mitidieri, numa composição que até lembra Burle Marx.
Na sala, as curvas suavizam a amplitude do espaço, criando um ambiente orgânico, fluido e convidativo. Ali, dois pontos se destacam: uma sala de jantar redonda, que fica abaixo do nível do piso, e a rampa de madeira, que liga suavemente os andares e reforça a fluidez entre os ambientes. Difícil de explicar em palavras.
“A arquitetura residencial do Niemeyer é um legado talvez menos conhecido. As residências unifamiliares acabaram por ser um palco de experimentação muito grande da sua organicidade, da curva, da plasticidade do concreto e dessa integração com a natureza”, destacou o arquiteto Nuno Janeiro, da imobiliária Agulha no Celeiro.
“Nós vemos essa experimentação com o concreto, com o vidro, com o cobogó, com esses elementos muito brasileiros, não só na casa de Alto Pinheiros, mas nas principais casas do Niemeyer, nas residências unifamiliares”, apontou ele, que também é agente imobiliário.
🤔 E como responder aos críticos que enxergam o modernismo — e seu principal material, o concreto armado — como algo frio, destinado apenas a presídios e museus?
“Mais do que beleza, as formas dessa casa refletem uma visão de mundo. Uma vida com mais fluidez, liberdade e leveza. Viver em uma casa projetada pelo arquiteto brasileiro mais reconhecido de todos os tempos não é só sobre luxo. É sobre morar em um espaço onde tudo foi pensado para te fazer viver melhor. Quando a arquitetura acerta, você se move diferente. Percebe o tempo de outro jeito. Se relaciona com as pessoas e com o espaço de forma mais generosa”, disse o arquiteto Bruno Kim, em uma visita à casa.
Espaços da Casa Niemeyer, na Zona Oeste de SP
Viver num Niemeyer de 670 m² num terreno de 1.800 m²
A obra segue o padrão de Niemeyer e é toda construída em concreto armado aparente, com curvas e rampas, além de ser toda envidraçada.
No lugar de paredes retas, alguns corredores têm caminhos sinuosos — no que leva aos quartos, o ambiente à frente vai se revelando aos poucos. Quem está numa ponta do corredor não consegue enxergar o final dele por conta da “barriguinha”.
Outro detalhe que diferencia a residência das outras são as paredes que não vão até o teto e deixam a casa mais ampla e escultural.
O projeto foi desenvolvido para ser uma residência familiar, com 670 m² construídos em um terreno de 1.800 m² com amplo jardim ao redor de toda a construção.
Cinco dormitórios (uma suíte master)
Dois banheiros com banheira
Sala de jantar e sala de estar
Sala de TV
Escritório
Jardim frontal e dos fundos
Cozinha, copa e área de serviço
Garagem para 6 carros
Quarto de costura
Uma rampa bem no estilo Niemeyer conecta a área social com a privada. Caminhar por ela dá uma sensação de se estar no Palácio do Planalto, ou no Itamaraty, mas também já foi palco de artes performadas pelos quatro irmãos e seus amigos.
“Essa rampa é muito convidativa, né? E esse rapaz aqui pegava os amigos dele e eles desciam com o skate aqui. Minha mãe ficava ensandecida”, relembrou a irmã, Ana Thereza Piagentini.
“A vizinhança aqui aproveitou… Eu tive sorte, porque eu tinha uns oito, dez vizinhos da mesma idade. Isso aqui era um parque de diversões, né? Era muito bom”, ressaltou Milton.
A sala de jantar se esconde atrás de uma das curvas de concreto. Daquelas que não vão até o teto para dar sensação de amplitude, além de se assemelhar a uma escultura. Outra semelhante a essa começa no jardim e entra pela casa, dividindo o living do escritório.
Questionado sobre como foi viver num lugar como esse, Milton disse que, à época, não tinha a dimensão do que representava aquele espaço.
“Eu mudei para cá com 11 anos. Hoje, que não moro mais, dou muito mais valor do que na época. Com 11 anos, isso aqui era simplesmente uma casa grande. Meus amigos da rua vinham aqui para brincar. Não tinha muita ideia do que era Niemeyer e do que era viver fora daqui”, refletiu.
Living room no piso superior e sala de jantar no nível abaixo do piso
Casa Niemeyer
Apontando para o amplo gramado do jardim dos fundos, Milton contou uma curiosidade sobre o lugar:
“Todo verão a gente marcava o espaço da piscina aqui com umas estacas no chão. Passavam dois meses, tirava tudo. No ano seguinte, marcava de novo. E nunca fizemos uma piscina…”
A última pessoa a viver no endereço foi a mãe da família. Edith ficou por lá até 2012, quando se mudou para um apartamento na região. Os filhos, então, resolveram dar um novo propósito à obra: eventos de todos os tipos — de casamentos e mostra de artes a locações para programas e gravações de séries e comerciais.
Para o arquiteto Nuno Janeiro, a casa poderia desempenhar também uma outra função — a de equipamento cultural. “Gostaria de vislumbrar um futuro onde essas casas se tornassem patrimônio, não necessariamente através de um instrumento de tombamento. Não só a do Niemeyer, mas também de outros arquitetos modernos.”
A proposta é que, mesmo localizadas em zonas exclusivamente residenciais (ZERs), essas construções sejam reconfiguradas como espaços de convívio e cultura: “Poderiam ter um papel, por exemplo, de museificação, de espaços culturais, de cenários e palcos para eventos de natureza artística, cultural, lúdica, literária”.
Segundo o agente imobiliário, a própria arquitetura moderna facilita esse processo, “precisamente pela sua escala, pela sua dimensão e também, sobretudo, por uma arquitetura que permite que se encaixe na perfeição nesse esquema de museificação”.
O projeto sob o olhar de Niemeyer
Projeto de residência em SP feito por Niemeyer
Niemeyer não só desenhou o projeto, mas colocou em palavras o que ele queria transmitir com a obra:
“Esta é uma casa simples, diferente e acolhedora”.
Essa foi a primeira frase do arquiteto numa carta manuscrita que apresenta os detalhes da residência (veja abaixo).
“Os quartos ficam apenas a 1 metro acima do nível das salas e isso é o suficiente para mantê-los interessantes. Uma varanda lateral os completa e nela estão previstas placas pivotantes de treliça, para controlar o sol e fechadas protegem o quarto como convém. No térreo localizamos as salas; o salão de jantar rebaixado 1 metro e praticamente no nível da cozinha”, diz o texto.
Ele define o living, o bar e o escritório como um ambiente único e moderno, separados uns dos outros pela própria forma arquitetônica.
“O escritório, a peça mais íntima, fica afastado das salas pela parede curva da biblioteca e do jardim pelo espelho de água”.
Ele continua a explicação dizendo que a ideia básica do projeto foi evitar uma residência de dois andares. Para isso, utilizou justamente acessos como a rampa que une a sala aos quartos.
“Preocupamo-nos também em manter o aspecto leve e vazado que a arquitetura moderna possibilita, daí as superfícies envidraçadas e a integração das salas no jardim”, completa Niemeyer.
Projeto de residência em São Paulo foi feito por Oscar Niemeyer
Reprodução/Casa Niemeyer
Quando a obra veio ao mundo
Hoje protegida por grades, a Casa Niemeyer já foi quase pública, aberta ao olhar de quem passava, sem grades. Registros antigos da família ajudam a dimensionar essa estética e mostram que a beleza do lugar vem de longe.
🖼️ Abaixo, veja uma galeria de fotos do local nos anos 1970
Antes e depois da Casa Niemeyer
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