Câmera flagra disputa entre cachorro-do-mato e mão-pelada em mata de Americana


No interior de São Paulo, mamíferos interagem em bebedouro feito para atrais aves. Câmera flagra disputa entre cachorro-do-mato e mão-pelada em mata de Americana
Uma câmera trap instalada por um entusiasta da natureza em uma área de mata em Americana (SP) registrou uma cena incomum: um confronto vocal entre dois mamíferos silvestres – o cachorro-do-mato (Cerdocyon thous) e o mão-pelada (Procyon cancrivorus).
O vídeo chamou a atenção por revelar não apenas a presença de espécies de hábitos majoritariamente noturnos, mas também a complexidade de suas interações no ambiente natural.
“A ideia do bebedouro era atrair pássaros, mas começaram a aparecer muitos mamíferos também. O mão-pelada, o cachorro-do-mato…até onça já deu uma passada por lá”, conta Rodrigo Ribeiro, responsável pela instalação das armadilhas fotográficas no local.
Câmera flagra disputa entre cachorro-do-mato e mão-pelada em mata de Americana
Rodrigo Ribeiro
“O cachorro-do-mato vocalizou muito, eu nem sabia que ele fazia aquele tipo de som, fiquei emocionado”, completa.
A vocalização em questão – uma espécie de rosnado prolongado – não passou despercebida pelos especialistas. Para a bióloga Júlia Souza, pesquisadora do Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado, o comportamento é um indicativo claro da disputa por território ou recursos.
“O cachorro-do-mato não está apenas tentando afastar o competidor com agressividade. Na verdade, ele está evitando o embate físico, que teria um alto custo energético”, explica Júlia.
“É um comportamento adaptativo muito interessante. Rosnar pode garantir o recurso sem que ele precise entrar numa luta direta, que poderia deixá-lo ferido”.
A ideia do bebedouro era atrair pássaros, mas começaram a aparecer muitos mamíferos também
Rodrigo Ribeiro
Segundo a pesquisadora, os dois animais compartilham o mesmo nicho ecológico. “Ambos são onívoros generalistas, ativos ao entardecer e durante a noite. Isso aumenta a chance de disputas por recursos, como alimento e água”.
Além da vocalização, a cena captada mostra o mão-pelada se afastando, mas retornando minutos depois – o que revela outro comportamento importante: a persistência da espécie.
“Ele foi expulso, mas voltou. Talvez em busca de frutas ou insetos. O ambiente ali é muito visitado por várias espécies”, detalha Rodrigo.
Disputa pela sobrevivência
Os registros feitos por Rodrigo já incluem outras espécies que frequentam o local, como gaviões, corujas, quatis e até uma onça-parda que, segundo ele, “foi dar uma ‘sapiada’ no bebedouro, talvez atraída pela presença constante de outros animais”.
Quatis visitam o local com frequência
Rodrigo Ribeiro
Para a ciência, vídeos como esse são preciosos. “O comportamento do cachorro-do-mato ainda é pouco documentado em ambientes de mata urbana. Esses registros ampliam nosso entendimento sobre o uso do território, as interações entre espécies e os efeitos da presença humana nesses espaços”, ressalta Júlia.
Além disso, ela destaca a importância desses fragmentos de natureza em meio à urbanização. “Esses ambientes verdes funcionam como refúgios essenciais para a biodiversidade local e sua proteção é fundamental para garantir a convivência sustentável entre a fauna silvestre e os seres humanos”.
Rodrigo, que ainda sonha em comprar sua própria câmera para registrar aves, celebra os desdobramentos inesperados de sua iniciativa. “Eu queria ver pássaros. Agora estou descobrindo um mundo inteiro que passa por aqui e que ninguém vê”.
Saiba mais sobre as duas espécies
Embora compartilhem hábitos noturnos e uma dieta onívora, o cachorro-do-mato e o mão-pelada possuem características e comportamentos bastante distintos.
O cachorro-do-mato é um canídeo típico de áreas abertas como campos e cerrados, que apresenta pelagem em tons de cinza e marrom, com orelhas curtas e cauda escura. Territorialista e discreto, vive geralmente em pares ou pequenos grupos familiares, sendo mais comum do que se imagina em regiões alteradas pelo ser humano.
O mão-pelada é uma espécie noturna, difícil de ser vista e até mesmo, considerada “tímida”, não se aproximando de casas e ambientes urbanos, diferente de seu primo “common raccoon
Ananda Porto
Já o mão-pelada, da família dos procionídeos, é conhecido pela máscara escura ao redor dos olhos e pelas patas com dedos longos, o que o levou a ser chamado por esse nome no Brasil. Exímio nadador e escalador, tem forte vínculo com ambientes próximos a corpos d’água e manipula o alimento com habilidade tátil, quase como um macaco.
Ambos são considerados “pouco preocupantes” em relação à conservação, mas enfrentam ameaças crescentes, como a destruição do habitat e o contato com animais domésticos. Suas aparições em áreas de mata urbana, como a registrada em Americana, evidenciam a resiliência da fauna silvestre diante da pressão da urbanização.
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