7 leituras que começam bem e depois viram um TCC disfarçado de romance

Que atire a primeira pedra aquele que nunca começou um romance promissor, com uma narrativa envolvente, personagens intrigantes e promessas de boas reviravoltas e, algumas dezenas de páginas depois, flagrou-se perdido em longos parágrafos autorreferentes, expressões técnicas que tentam suprir a pobreza narrativa e reflexões impenetráveis, mais afeitas aos trabalhos acadêmicos do que às obras de ficção. Materializa-se-nos o sentimento de que, em vez de ler uma história, nos encurrala um tratado. Para desvendar a razão do fenômeno é necessário tocar em aspectos fundamentais da escrita literária contemporânea, uma eterna peleja entre forma e conteúdo, arte e retórica.

A literatura sempre foi por natureza um espaço de reflexão larga e abrangente e muitos autores escrevem com o legítimo desejo de manifestar sua inquietação diante dos temas que sacodem o mundo. No entanto, há uma diferença entre denunciar uma realidade complexa e propor soluções para seus problemas como quem defende uma teoria. A tentação de querer provar uma hipótese pode fazer com que o autor transforme personagens em porta-vozes de ideias, falas em ensaios e histórias em demonstrações. O didatismo corrompe qualquer possibilidade de beleza e até de entendimento, e a organicidade da ficção dá lugar a uma estrutura rígida, sem espaço para o subjetivo. Tudo quanto um romance digno desse nome deve ter.

Não é incomum encontrar romances com uso excessivo de jargões científicos, réplicas de autores teóricos, estruturas de raciocínio austeras, típicas de artigos universitários. Isso não quer dizer que a academia deva ser completamente expurgada da literatura, pelo contrário: grandes obras dialogam com ideias labirínticas. O problema é quando o romance abre mão da sua linguagem simbólica para apenas explicar. O leitor, em vez de render-se à emoção, sente-se como numa aula — ou, pior, realizando uma prova. Cada vez mais, o mercado editorial têm valorizado livros que esquadrinham “temas importantes” e fomentam “discussões urgentes”. Embora isso tenha um lado positivo — o de dar visibilidade a questões sociais e humanitárias, por exemplo —, tal expediente também contribui para sobrecarregar certas obras, que se sentem na obrigação de “instruir”, transformando-se em mero instrumento de engajamento político ou social, deixando a história em segundo plano ao tentar esgrimir sobre uma pletora de assuntos e acolher tantíssimos debates. Antes envolvido com os personagens, o leitor de repente percebe que eles sumiram, que a trama estagnou e que tudo agora gira em torno de conceitos. É o que acontece, em maior ou menor grau, com as sete publicações da lista abaixo, com destaque para o ainda hoje muito comentado “O Mundo de Sofia” (1991), do norueguês Jostein Gaarder, que acompanha uma garota pela jornada de pesar e evolução que deve ser a vida de todo indivíduo. O busílis é a pertinácia de Gaarder quanto a sobrepor acontecimentos inauditos a sua protagonista ao longo de 560 páginas. O leitor se põe, justificadamente, atordoado.

Não há nada de inconveniente em querer escrever um romance com conteúdo denso, com temas sérios, com discussões importantes. A literatura não precisa ser superficial ou escapista. Mas ela também não deve ser um disfarce para uma monografia. O grande desafio do escritor é transformar ideias complexas em experiências sensíveis, envolventes, humanas. É fazer pensar sem deixar de emocionar. É ensinar sem parecer que está pregando. A boa ficção não precisa explicar tudo. Às vezes, não precisa explicar nada.

7 leituras que começam bem e depois viram um TCC disfarçado de romance

Que atire a primeira pedra aquele que nunca começou um romance promissor, com uma narrativa envolvente, personagens intrigantes e promessas de boas reviravoltas e, algumas dezenas de páginas depois, flagrou-se perdido em longos parágrafos autorreferentes, expressões técnicas que tentam suprir a pobreza narrativa e reflexões impenetráveis, mais afeitas aos trabalhos acadêmicos do que às obras de ficção. Se estava antes envolvido com os personagens, o leitor de repente percebe que eles sumiram, que a trama estagnou e que tudo agora gira em torno de conceitos. É o que acontece, em maior ou menor grau, com as sete publicações dessa lista.

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