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Não há isca emocional mais eficaz do que vestir a ambição com ternura. Quando o protagonista é um jovem inventor de chocolates, interpretado por um ator que já virou fetiche cultural, o terreno da empatia se aduba sozinho. “Wonka”, dirigido por Paul King, parte de um universo já conhecido, mas não se acomoda na nostalgia. Ele a usa como trampolim. A memória do livro de Roald Dahl e das adaptações anteriores não pesa: serve como fermento. Este novo conto de origem não tem pressa em impressionar. Sabe que seu feitiço opera por acúmulo — de cores, de músicas, de candura. Mas o que à primeira vista parece mais um desfile de artifícios açucarados é, no fundo, uma narrativa sobre ingenuidade insistente em tempos de cinismo.

Há um olhar persistente de ironia poética atravessando a fábula, ainda que ela pareça revestida de cetim. O chocolate da mãe, relíquia impossível de estragar, torna-se símbolo de uma fé que resiste à degradação do mundo. Willy é uma espécie de Dorothy em versão doceira, caminhando não por um Kansas encantado, mas por uma metrópole que amalgama Dickens e Danton, barro e verniz. O roteiro costura essa travessia com a habilidade de quem não teme flertar com o absurdo — um dom herdado diretamente de Dahl. Os flashbacks que ressuscitam a figura materna não são apenas artifícios sentimentais: funcionam como pequenos rituais de resistência emocional, canalizando a coragem em direção ao impossível.

A cidade que acolhe Wonka é um simulacro de sonho em decomposição. Ele chega armado de esperança, convencido de que talento e boa vontade bastam. Logo entende que está cercado por uma aristocracia corrupta do cacau, cuja lógica mafiosa não se deixa comover por idealismos. Os vilões, caricaturais por essência, são menos personagens que alegorias — instrumentos de um sistema que devora a ingenuidade como quem tritura grãos amargos. A dupla de vigaristas vivida por Olivia Colman e Tom Davis amplia esse tom farsesco, evocando um humor que transita entre o grotesco e o trágico. A espelunca onde se alojam parece saído de um pesadelo moldado com massinha de modelar.

Mas no fundo da história, lá onde a melodia cessa e sobra apenas o silêncio dos gestos, está a aliança improvável entre Willy e Noodle. A menina órfã não é apenas um contraponto narrativo: ela encarna o que ainda resta de lucidez dentro do devaneio. Calah Lane não interpreta, ela contra-encanta. Suas cenas ao lado de Chalamet quebram o verniz lúdico e tocam numa camada de afeto que o filme habilmente disfarça sob canções. E quando ele canta, o faz com um brilho no olhar que não se explica apenas por atuação. A encenação de “A Hatful of Dreams” não é sobre performance, mas sobre a capacidade de carregar a utopia no próprio corpo — no casaco puído, no chapéu ordinário, na dança que desafia a gravidade da descrença.

Há filmes que parecem nos oferecer um abrigo temporário; outros, como este, nos lembram por que saímos de casa em busca de histórias. “Wonka” não reinventa o gênero, tampouco pretende subvertê-lo. Seu gesto mais ousado é acreditar que ainda vale a pena contar uma história com doçura, mesmo quando o mundo insiste em amargar. É uma fantasia construída sobre ruínas, uma carta de amor escrita com tinta derretida, um gesto de gentileza em tempos de cinismo performático. No fim, a pergunta que resta não é se acreditamos em Willy, mas se ainda conseguimos reconhecer esse tipo de fé quando a vemos — embalada em celofane colorido, mas pulsando verdade por baixo de cada camada.

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Numa mistura ousada de conto de fadas e comédia melancólica, “Wonka” reinventa o ícone do chocolate através dos olhos de um sonhador ingênuo e obstinado. Com Timothée Chalamet no papel-título, o filme costura doçura e desencanto num musical visualmente encantado, onde a esperança desafia a crueldade do sistema e a fantasia serve como refúgio de um mundo adoecido pela ganância, reacendendo o desejo coletivo por gentilezas impossíveis.

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