Estudo identifica “grilagem on-line” em 635.000 km² no Brasil

O registro de CAR (Cadastro Ambiental Rural) tem sobreposição territorial de 635.124 km², área equivalente ao território da Somália (637.657 km²). Essa imprecisão “fragiliza e favorece a sobreposição de registros, sobretudo em áreas públicas sem destinação”, segundo o geógrafo e advogado Luiz Ugeda, consultor da SPLaw

“A imprecisão beneficia diretamente atores interessados em legitimar ocupações irregulares ou antecipar títulos sobre terras públicas, sem controle social ou transparência. Em contextos de pressão fundiária, a ausência de governança territorial permite a chamada grilagem digital.”

A grilagem digital seria a apropriação dos dados e territórios por meio formal, no caso, o sistema de cadastro rural.

Ugeda realizou um estudo que indica que a distorção vem crescendo ano a ano, com destaque para a região da Amazônia Legal. Em 2024, segundo o estudo sobreposições em terras públicas sem destinação nos registros de CAR aumentaram de 12,4% para 18,3%”.

O pesquisador utilizou informações do próprio CAR, do Sigef (Sistema de Gestão Fundiária) e do SNCR (Sistema Nacional de Cadastro Rural) para identificar as sobreposições, que acontecem quando diferentes pessoas registram as mesmas áreas como suas propriedades, sem fiscalização prévia do Estado.

O CAR é um certificado obrigatório para todos os imóveis rurais no Brasil. Ele mapeia as áreas de vegetação nativa, de produção agropecuária e de preservação em cada propriedade.

No processo para obtenção do CAR o produtor rural precisa preencher um formulário on-line, o SiCar (Sistema de Cadastro Ambiental Rural), anexar a documentação e laudo de um técnico sobre a propriedade e aguardar a emissão que comprove a inscrição do imóvel no CAR.

“Assim como fazemos a autodeclaração no Imposto de Renda, os proprietários rurais preenchem o CAR. Mas, nesse caso, isso tem gerado sobreposições de propriedades”, afirma o geógrafo.

A Constituição estabelece que a União é responsável por “organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional”. Para Ugeda, as sobreposições indicam que a regulamentação está sem coordenação legal.

Os proprietários rurais encontram dificuldades para realizar transações imobiliárias como compra, venda, hipoteca ou desmembramento de terras, devido à insegurança jurídica gerada pelos registros sobrepostos.

Isso porque na prática, o Brasil tem um tamanho real, mas nos cadastros oficiais e nos cartórios ele aparece com uma dimensão diferente.

Para o pesquisador, é necessário tratar esses dados como infraestrutura essencial, como é feito com energia e transportes no Brasil. O que implicaria em novas regras para sua produção, validação e uso, com uma coordenação federativa e controle público.

“O Brasil precisa de uma autoridade reguladora de dados territoriais, que pode ser atribuída a um órgão já existente, desde que reestruturado com esse mandato. A pesquisa identificou que o problema não é a ausência de dados, mas a falta de governança sobre eles”, afirma.

Este jornal digital entrou em contato com o MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima) sobre as medidas que estão sendo tomadas para diagnosticar e resolver as questões citadas na pesquisa, mas não obteve resposta.

O espaço segue aberto para manifestação.

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