Novas regras do CFM ampliam recomendação para cirurgia bariátrica em relação ao peso e à idade; entenda

O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou nesta terça-feira, no Diário Oficial da União (DOU), uma resolução em que atualiza as regras para cirurgia bariátrica e metabólica no tratamento da obesidade. As alterações ampliam as indicações para alguns pacientes com índice de massa corporal (IMC) já a partir de 30 kg/m² e para adolescentes com 16 anos ou mais. Além disso, em determinados casos, permite a cirurgia a partir dos 14 anos.

Segundo o presidente do CFM, José Hiran Gallo, “pesquisas recentes e as melhores evidências científicas” ampliaram as possibilidades de indicação do tratamento. O presidente diz ainda que o Conselho analisou diversos estudos e escutou as principais sociedades médicas sobre o tema para criar as novas regras.

Antes, pelas normas de 2015, a bariátrica era recomendada na população adulta apenas para aqueles com o IMC (divisão do peso pela sua altura elevada ao quadrado) a partir de 40 kg/m² (obesidade classe 3) ou a partir de 35 kg/m² (obesidade classe 2) com doenças associadas que são agravadas pela obesidade e melhoram com a perda de peso, como hipertensão arterial e diabetes.

Agora, além dos casos acima, aqueles com IMC entre 30 e 35 kg/m² (obesidade classe 1) também poderão ser orientados à cirurgia, desde que também tenham uma das seguintes doenças: diabetes mellitus tipo 2; doença cardiovascular grave com lesão em órgão alvo; doença renal crônica precoce em pacientes com diabetes tipo 2; apneia do sono grave; doença gordurosa hepática não alcoólica com fibrose; afecções com indicação de transplante; refluxo gastroesofágico com indicação cirúrgica ou osteoartrose grave.

De acordo com uma resolução anterior, de 2017, pacientes com diabetes e IMC a partir de 30 kg/m² já podiam realizar o procedimento, porém com regras mais rígidas que demandavam critérios como 10 anos com o diagnóstico e idade entre 30 e 70 anos. Agora, a nova norma dispensa esses requisitos e amplia para qualquer paciente acima de 18 anos.

O novo texto também pontua que aqueles com obesidade extremamente grave, cujo IMC é igual ou superior a 60 kg/m², deverão “ser avaliados quanto à capacidade estrutural/física do hospital em que serão operados”, assim como em relação ao “preparo da equipe multidisciplinar na assistência a esses pacientes singulares, por serem mais propensos a eventos adversos devido à maior complexidade de sua doença”.

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), Juliano Canavarros, a nova resolução é um “divisor de águas” que “responde diretamente aos anseios da população que convive com a obesidade grave e suas múltiplas comorbidades”.

Adolescentes

Outra grande mudança da nova resolução foi a ampliação da faixa etária. Antes, as regras para o tratamento de adolescentes dos 16 aos 18 anos eram mais rígidas, demandando, além da concordância dos pais e do acompanhamento multiprofissional, a presença de um quadro específico de “consolidação das cartilagens das epífises de crescimento dos punhos”.

Agora, os critérios na faixa etária passam a ser os mesmos da população adulta, desde que o jovem tenha desenvolvimento da maturidade psicológica e fisiológica; capacidade de compreender os riscos e benefícios e aderir às modificações no estilo de vida; capacidade de tomar decisões e suporte social e familiar antes e depois da cirurgia.

Segundo o CFM, a ampliação foi possível após “estudos longitudinais atuais, avaliando desfechos de segurança e eficácia” terem indicado o benefício. Ainda assim, o Conselho reforça que a elegibilidade “envolve processo atencioso de decisão compartilhada com o paciente, pais ou tutores e a equipe médica”.

Já abaixo dos 16 anos, a bariátrica era permitida somente em caráter experimental dentro de protocolos de pesquisa aprovados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Agora, adolescentes entre 14 e 16 anos já poderão realizar o tratamento fora de pesquisas caso tenham um quadro de obesidade grave, ou seja, um IMC maior ou igual a 40 kg/m², associado a “complicações clínicas que levem a risco de vida”.

O conselheiro do CFM e relator da resolução, Sérgio Tamura, pontua que “60% das crianças obesas possuem tendência para atingir a obesidade mórbida, sendo benéfica a intervenção em casos bem indicados”, destacando evidências de que o procedimento é seguro nesta população e não atrapalha o crescimento.

Mudanças em hospitais e técnicas indicadas

O CFM também passou a adotar regras mais específicas em relação aos estabelecimentos que podem realizar a cirurgia. Agora, além dos requisitos antigos, o procedimento deverá ser feito apenas em hospitais de grande porte, com capacidade para procedimentos de alta complexidade, Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e plantonista 24 horas e equipes multidisciplinares e multiprofissionais experientes no tratamento da doença obesidade, da doença diabetes e na realização de cirurgia gastrointestinal.

Além disso, no caso de pacientes com IMC superior a 60 kg/m², os hospitais precisarão ter capacidade física (camas, macas, mesa cirúrgica, cadeira de rodas e outros equipamentos) e equipe multidisciplinar preparados para atender esses casos.

A resolução também traz mudanças nas técnicas de bariátrica indicadas. Agora, o Conselho passa a recomendar, em primeiro plano, a Bypass gástrico em Y de Roux e a gastrectomia vertical (sleeve gástrico).

“Essas cirurgias são atualmente as operações com maior embasamento científico na literatura mundial, sendo altamente recomendadas na maioria absoluta das situações clínicas devido à segurança e eficácia, comprovadas e reconhecidas amplamente em estudos com acompanhamento dos pacientes em longo prazo”, diz o texto.

Outras técnicas são consideradas alternativas e com indicação primordial para procedimentos revisionais: duodenal switch com gastrectomia vertical, bypass gástrico com anastomose única, gastrectomia vertical com anastomose duodeno-ileal e gastrectomia vertical com bipartição do trânsito intestinal.

De acordo com o relator da norma, “apesar de essas cirurgias não possuírem uma evidência científica robusta, têm sido realizadas e são reconhecidas pelo CFM” e podem ser adotadas em procedimentos de revisão. Para isso, o paciente deve estar ciente de que “essas cirurgias não são as que oferecem maior eficácia e segurança quando realizadas como procedimentos primários”, diz a resolução.

O texto também estabelece que a banda gástrica ajustável e a cirurgia de scopinaro, antes permitidas, deixam de ser autorizadas no país devido a “resultados insatisfatórios” e “percentual proibitivo de complicações graves pós-operatórias”. “Os pacientes já submetidos a tais procedimentos devem ser acolhidos e acompanhados clinicamente, conforme protocolo da equipe médica”, orienta o Conselho.

A norma fala ainda sobre os procedimentos endoscópicos, reconhecendo o balão intragástrico e a gastroplastia endoscópica como técnicas que podem ser indicadas. No caso do balão, pode ser indicado somente a pacientes com restrição aos procedimentos cirúrgicos ou como preparo pré-operatório para a cirurgia bariátrica.

Já a gastroplastia endoscópica Tamura, relator da resolução, destaca que é uma opção que pode ser associada ao tratamento medicamentoso, sendo “uma boa alternativa para otimização dos resultados”.

Números de bariátrica e obesidade no Brasil

Segundo um levantamento da SBCBM, o Brasil realizou 291.731 mil cirurgias bariátricas entre 2020 e 2024, 31.351 delas por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Canavarros, presidente da entidade, destaca que, se avaliado o número de brasileiros com indicação ao tratamento, o total de procedimentos “não representa 1% dos pacientes”.

Além disso, de acordo com a sociedade, somente 98 serviços dos 7,7 mil hospitais espalhados pelo Brasil realizam a cirurgia. Em quatro estados brasileiros, Amazonas, Rondônia, Roraima e Amapá, não há locais habilitados para o procedimento no SUS.

A entidade médica aponta ainda que dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), do Ministério da Saúde, revelam uma prevalência de 34,7% de obesidade na população brasileira em 2024 – 21,3%, cerca de 5,4 milhões de pessoas, com IMC a partir de 30 kg/m², que poderão se beneficiar das novas regras.

Segundo a Pesquisa Vigitel mais recente, de 2023, realizada também pela pasta da Saúde, a proporção sobe para 61,4% da população adulta considerando o sobrepeso (IMC igual ou acima de 25 kg/m²).

O problema, que é mundial, deve se agravar nos próximos anos. Um estudo publicado na revista científica The Lancet estimou que mais da metade da população adulta global (3,8 bilhões) e um terço de todas as crianças e adolescentes (746 milhões) viverão com sobrepeso ou obesidade até 2050.

Por Jornal O Globo

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