“Extrema direita” cresce ao “convergir com a realidade”, diz professor

Em seminário na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) da USP (Universidade de São Paulo) na 4ª feira (14.mai.2025), o professor de filosofia da PUC Rio Rodrigo Nunes, 47 anos, analisou por que classes populares são atraídas por projetos autoritários. “A mensagem da extrema direita é cada vez mais convergente com a realidade do mundo: é a guerra de todos contra todos”, afirmou durante a mesa “As camadas pobres e as opções autoritárias”, parte da programação do evento “Seminário nacional – o futuro da esquerda brasileira: impasses e desafios”.

Para Nunes, o apoio popular à extrema direita não se explica por manipulação ou ignorância, mas por investimentos de desejo. Citando Deleuze e Guattari em “O Anti-Édipo”, ele explicou: “As massas, em certos contextos, desejaram o fascismo. Não se trata de mera burrice ou de pessoas ludibriadas, mas de um investimento efetivo de desejo”.

“Nós não desejamos as coisas porque são boas, mas acreditamos que são boas porque as desejamos”, complementou o filósofo. Segundo ele, este desejo antecede o cálculo racional e determina o que entendemos como nosso interesse.

Nunes propôs um deslocamentona análise: “A verdadeira questão não é como uma pessoa pode ser tão burra a ponto de aderir à extrema direita, mas o que há no mundo que faz com que ela faça sentido para cada vez mais gente”. Ele atribuiu esse fenômeno a 3 camadas históricas: o legado da escravidão no Brasil, 4 décadas de políticas neoliberais e a crise econômica global pós-2008, que impactou o país a partir de 2015.

O professor argumentou que a política se faz pela composição de desejos, não pela argumentação racional. “Fazer política sempre será compor desejos. Afetos se combatem com afetos, desejos se combatem com desejos”, afirmou, citando o filósofo holandês Baruch Spinoza (1632-1677). “As pessoas precisam sentir outra coisa como sendo a certa, não apenas ouvir que estão erradas”.

Segundo Nunes, a extrema direita atua em duas frentes simultâneas: “Sua mensagem converge com a realidade atual de competição individualista, enquanto os espaços de acolhimento disponíveis—principalmente igrejas—tornam-se os únicos lugares onde as pessoas encontram solidariedade”.

O professor concluiu sua análise com uma perspectiva de mudança: “A extrema direita atual oferece compensações mais psicológicas que materiais. Quando essas compensações não conseguirem mais contrabalançar as perdas econômicas reais, como possivelmente ocorrerá no governo Trump, poderemos ver uma reabertura política também em outras partes do mundo”.

Racismo como “apêndice”

Na mesma mesa, a historiadora Ynaê Lopes dos Santos, 43 anos, professora da UFF (Universidade Federal Fluminense) e doutora pela USP, criticou como a esquerda brasileira trata o racismo como tema secundário, ignorando seu papel central na estruturação do país.

“A constituição abertamente racista da sociedade brasileira e da forma como a gente produz a história do Brasil” é, segundo ela, frequentemente desconsiderada pelos setores progressistas.

Lopes criticou a visão limitada com que o campo político da esquerda costuma lidar com a questão racial. “A esquerda brasileira ainda olha, em grande medida, esse racismo como uma espécie de apêndice de uma questão que pode ser tratada com meia dúzia, talvez, de políticas públicas”, disse. Para ela, a questão racial precisa ser reconhecida como eixo central para compreender a realidade brasileira.

“Já passou do tempo de entender que a questão racial é uma questão central pra compreensão do Brasil e, sobretudo, pra própria manutenção da esquerda”, argumentou. Ela também lembrou que, historicamente, parte da esquerda contribuiu para a sustentação de estruturas de exclusão: “Durante muito tempo a esquerda compactuou para a manutenção dessa estrutura de poder”.

Em sua fala, Ynaê fez uma metáfora sobre a ausência de avanços reais no pós-abolição. “Estamos em um eterno 14 de maio, literalmente. Hoje estamos no 14 de maio…como se a gente tivesse sempre um 14 de maio. O 14 de maio não se concretiza”, declarou, em referência ao dia seguinte ao fim formal da escravidão no Brasil, marcado pela ausência de reparações e de justiça social.

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