Labyrinth of the Demon King – Review

O Japão feudal está definitivamente em alta na cultura pop e, sobretudo, no universo dos games. É verdade que, olhando em retrospectiva, é provável que o tema nunca tenha saído de moda dado o nosso fascínio por um período envolvo em mistérios, com uma riqueza imersiva tanto para temas mais dedicados ao realismo quanto para aqueles que se voltam para a fantasia fantástica.

Em um ano repleto de títulos de grande expressão pautados neste momento histórico, Labyrinth of the Demon King pode se mostrar uma grande surpresa, mesmo com uma série de ressalvas, até para quem está dedicado a acompanhar as produções de alto orçamento com gráficos de ponta. Isso porque o jogo aposta em visuais estilizados, fortemente inspirados na geração 32 bits, e em uma gameplay livremente baseada no início da era tridimensional desta indústria.

E se por um lado o aspecto gráfico nos lembra dos bons tempos do PSOne, toda a construção da ambientação segue pelos lados de outros dos maiores títulos da segunda metade da década de 1990 e início dos 2000, principalmente aqueles que sedimentaram as bases do que nós conhecemos hoje como horror de sobrevivência, ou survival horror para os mais puristas. Sim, estou falando de Resident Evil e seus herdeiros.

O Japão desta era do shogunato, imerso em um sem-fim de guerras oriundas da instabilidade política que marcou o período, não é um lugar fácil para se viver. Um simples ashigaru (um soldado comum da infantaria dedicado a servir seus mestres em batalha) acaba sendo o último sobrevivente de um massacre sombrio sofrido pela sua unidade e, depois do sacrifício de seu Senhor Takeda Nobumitsu, decide partir em busca de vingança.

Mesmo diante o desconhecido, ele adentra o tal Labirinto do Rei Demônio que dá título ao game em busca das relíquias que o permitirão ficar face a face com o inimigo, para assim fazer cumprir a justiça. O problema é que vencer as quatro torres deste lugar amaldiçoado não é tarefa simples, e será necessário enfrentar hordas desgraçadas de monstros e criaturas nefastas, bem como corredores infindáveis e seus segredos durante a jornada.

Esta premissa não chega a ser das mais inventivas, o que não seria um problema se não fosse pelo roteiro arrastado e principalmente pelo texto primário. Diálogos e explicações são extremamente didáticos e mal escritos, e por vezes até ousam algum tipo de traço de personalidade, o que resulta em uma certa vergonha alheia. Talvez seja o traço de uma localização para o nosso português brasileiro pouco inspirada, mas mesmo em inglês a coisa não melhora. Pode até não ser um problema em outros idiomas, mas não me parece ser o caso.

Deste modo, a proposta do jogo está posta. Um soldado solitário contra um verdadeiro inferno, baseado em masmorras sombrias e confinadas em castelos decrépitos, se definindo por um sistema reconhecível de investidas de exploração em dungeons, onde cada novo avanço, mesmo que este custe a vida de nosso herói, vale a pena, permitindo que retornemos ao desafio seguinte um pouco mais preparado.

As características roguelike de Labyrinth of the Demon King são, portanto, pungentes, criando uma camada de tensão renovada a cada iteração. Desafiador, o jogo aposta em ambientes apertados, mal iluminados e cheios de inimigos macabros a cada canto escondido. Ainda que o mapa se mantenha inalterado, a presença da nossa indesejada companhia guarda suas surpresas para nos pegar desprevenidos.

E a boa notícia é que o desenho de nível nesses ambientes é excelente, dada a proposta. Valendo-se do formato mais intimista do 4×3 (mais comum nas TVs de tubo), o game não torna fácil o jogador se achar neste emaranhado de corredores e travessias escondidas, obrigando-o a criar estratégias de exploração para um reconhecimento consistente de retroalimentação. Encontrar os mapas espalhados é de extrema importância, mas seu uso está longe da simplicidade de um GPS moderno.

Tal como nas suas maiores referências, consultar frequentemente o leiaute do lugar dá a dimensão do compartimento que estamos, seja ele corredor, salão ou algo do tipo, mas sem especificar a posição exata. Sem um bom senso de direção ou daquilo que já foi feito, esse recurso ajuda muito pouco. E interface de navegação, como um todo, é propositalmente precária e, definitivamente, não vai pegar na mão de ninguém.

O mesmo vale para os pontos de interesse diante nós. Itens coletáveis ou documentos a serem lidos soltam algumas faíscas que nos ajudam a saber que estão lá, mas o game sonega informações o tempo todo, nos dando dicas homeopáticas do que pode ser feito. Descobrir que sal pode ajudar a limpar um local tomado por fungos esquisitos não é difícil. Já onde encontrar a iguaria já é outra história.

Por mais que tenha uma identidade bastante própria, Labyrinth of the Demon King nunca tenta esconder que, independentemente da sua estruturação narrativa, é o mais puro suco dos clássicos jogos da primeira trilogia de, uma vez mais, Resident Evil. Não só por emular desavergonhadamente as transições em portas e escadas, usadas para carregar cenários, nem mesmo pela cena de apresentação do primeiro demônio. É algo muito mais profundo.

A exploração de ambientes buscando por chaves, portas a serem destrancadas, amuletos que abrem passagens secretas e os encontros ocasionais com os famigerados Yōkai recriam todo o clima presente nos primeiros jogos da saga estrelada por Jill, Claire e Chris, e mesmo partindo de uma mitologia totalmente diferente, estabelece os mesmos artifícios de construção do suspense, enfrentamento com recursos parcos e a busca por soluções enigmáticas.

E se toda a estrutura do jogo se apropria muito bem do que de melhor havia em suas contrapartes, os demais aspectos acabam sendo traídos pela crueza de sua implementação. Os gráficos carregam em si um tom nostálgico, e como todo elemento saudosista, acaba se esbaldando no bônus, bem como se traindo pelas limitações já ultrapassadas tanto na construção artística quanto na falta de refinamento da jogabilidade.

Os cenários, diferente daquilo que vimos nas câmeras estáticas e nas construções pré-renderizadas dos primeiros RE, são gerados em tempo real para atender a perspectiva em primeira pessoa do jogo, e mesmo que a direção de arte consiga conferir uma certa diversidade considerando a repetitividade dos ambientes internos, ainda assim acaba por aproveitar muito pouco do seu potencial grotesco.

Pedaços de madeira podre espalhados por salas feitas com madeira podre adornadas e mobiliados com, advinha, madeira podre, acaba criando uma sobreposição de texturas pouco definidas que, em conjunto, perdem muito significado, valorizando-se muito mais pelo bom trabalho de iluminação por várias fontes do que por si mesmo. A composição de cores também não é das melhores, e tudo parece usar dos mesmos marrom e cinza sujos que pouco contraste cria entre o que quer que esteja na tela.

Soma-se a isso uma interface de menus, legendas e diálogos absolutamente tenebrosa, usando fontes, cores e caixas de texto que mais parecem os primeiros testes em jogos nos seus estágios iniciais de desenvolvimento, algo que caberia no conjunto de estética retrô crua não fosse o fato de ambas as coisas são desconexas e pouco coesas em si. São dois aspectos distintos, mas igualmente deficientes.

O mesmo vale para o design de personagens, e mesmo estas criaturas sem rosto sendo conceitualmente perturbadoras, acabam se provando um conjunto uniforme de minions arquetípicos e banais. E se o trabalho de iluminação os ajuda, é o design de som que os salva, porque a elaboração sonora procura deixar o jogador nervoso o tempo todo. Se existem condições ideais para se aproveitar este game, que seja na quietude da madrugada, com um bom headset.

Ainda assim, esta experiência sensorial sente falta de um apuro técnico mais dedicado ao conjunto entre as sensações hápticas do DualSense e a tridimensionalidade sonora. Grunhidos e outros sussurros se valeriam demais de uma elaboração espacial mais detalhada. Ainda assim, tanto a vibração padrão dos controles quanto a boa mixagem adicionam valor à uma produção que precisa, por definição, que o estabelecimento do clima de tensão seja bem sucedido.

Por sua vez, o modelo de movimentação e combate são o maior problema do jogo. Andar pelo cenário acidentado traz todas as complicações de colisão que pareciam superados pela indústria, e tanto nós quanto os inimigos, comumente, ficamos presos no menor dos desníveis, ou em passagens mal ajeitadas com obstáculos. Confesso que uma estratégia involuntária foi sempre ficar atrás de algum objeto, porque isso é um problema enorme pra IA inimiga resolver.

Ainda assim, se o deslocamento e a navegação são claramente datados, entrar em conflito acaba sendo pior, com uma apropriação do espaço cênico inconstante, timing confuso e uso irregular de armas tanto no corpo a corpo quanto usando projéteis, como flechas e armas de fogo rudimentares. Se a dificuldade usando equipamentos em estado ruim é parte da mise en scene, o gameplay não precisava ser truncado como em RPGs ocidentais do início dos anos 2000.

O resultado é que enfrentar os inimigos do jogo simplesmente é maçante e desinteressante, mesmo quando aprendemos as melhores formas de fazer isso com o mínimo de risco possível, repetindo padrões e aproveitando das limitações da inteligência artificial. O jogo tem a premissa de ser desafiador, não pegando o atalho de níveis de dificuldade exatamente para valorizar este aspecto, mas ainda assim, encontrar um novo inimigo de frente é só uma forma enfadonha de ter que atacar e defender a partir os poucos e nada fluidos comandos possíveis.

A diversidade de equipamentos mitiga um pouco essa sensação de mesmice sem criatividade, mas só até os dois próximos inimigos chegarem. Quando finalmente conseguimos usar ataques a distância, tudo parece se renovar, mas é só por alguns momentos, fazendo com que aquilo que há de mais divertido em encarar um bando de demônios seja a coisa mais sem sal de toda a obra.

Quando em contexto, Labyrinth of the Demon King acaba se provando um amálgama de percepções, com uma ambientação riquíssima, mesmo que deprimente, que nos coloca em meio a uma trama de vingança sobrenatural onde nada parece minimamente reconfortante. O uso de cores sóbrias e texturas pouco definidas tal como nas inspirações artísticas da obra só reforça essa sensação desoladora.

Ao mesmo tempo, as limitações que poderiam potencializar a obra sobretudo pensando em um público mais experiente com jogos de décadas atrás acabam minando a experiência em si, não por emular formas clássicas mais simples de combate e movimentação, mas principalmente porque ambos os aspectos são simplesmente desinteressantes, mesmo em seus melhores momentos.

A forma simplória da interface de usuário e os textos pouco inspirados são elementos sintomáticos de um produto cuja ideia conceitual é bastante interessante, mas executada sem brilho, como se o melhor estivesse por vir em um futuro, com mais amadurecimento tanto na redação quanto na apresentação visual. Com um pouco mais de apuramento, poderia ser algo diferente em um mercado saturado no tema e pasteurizado na forma, mas tal como está, é só uma coleção de oportunidades desperdiçadas.

Labyrinth of the Demon King está disponível para Playstation 4, Playstation 5, Xbox Series S/X, XBox One, Nintendo Switch e PC. Esta análise é da versão PS5 e foi realizada com um código fornecido pela Top Hat Studios.

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