Suspensão de processo no STF não deve se estender a Bolsonaro

O Congresso não tem competência para interferir no processo em curso no STF contra BolsonaroNelson Jr./SCO/STF

O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos/PB), encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quinta-feira (9), comunicado sobre a decisão da Casa Legislativa de sustar a ação penal contra o deputado delegado Alexandre Ramagem (PL/RJ) por tentativa de golpe de Estado.

A suspensão, de acordo com a matéria aprovada, se aplica à Petição 12.100, que engloba outros réus, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). 

A preocupação da base governista na Câmara é de que a medida beneficie Bolsonaro. Isso porque o pedido não especifica que a suspensão do processo se refere, exclusivamente, ao deputado Ramagem.

Apesar de citar nominalmente o parlamentar, o relator da sustação, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), incluiu em seu parecer que será “sustado o andamento da ação penal contida na Petição 12.100, em curso no STF, em relação a todos os crimes imputados”.

Dessa forma, como o pedido foi aprovado pela maioria da Câmara, os deputados estariam abrindo uma brecha para que todo o julgamento referente ao Núcleo 1 da tentativa de golpe seja paralisado. Entretanto, antes mesmo dos parlamentares decidirem pela suspensão, o STF já havia se manifestado sobre a impossibilidade de aplicar a medida para toda a ação. 

Na visão do doutor em Direito Constitucional, Guilherme Barcelos, o Congresso não tem competência para interferir no processo em curso no STF contra Bolsonaro, tendo em vista que o ex-presidente deixou de exercer cargo político e, assim, de se beneficiar da imunidade temporária. “Ex-presidente não goza de imunidade. Portanto, o Congresso, no caso de Bolsonaro, não poderá interferir, ao menos não quanto à instauração da ação penal e à tramitação dela”, explicou o sócio do Barcelos Alarcon Advogados, em entrevista ao Portal iG.

O especialista ainda destacou que, por não ocupar o cargo de presidente da República, Bolsonaro também não possui foro privilegiado e, por isso, o caso sequer deveria ser julgado pelo STF. 

“O mandato de Bolsonaro se encerrou em dezembro de 2022. Bolsonaro é um ex-presidente, apenas. Ex-presidente não possui foro por prerrogativa de função. Ocorreu que o STF acabou por estabelecer, de maneira casuística, a manutenção da competência mesmo após o fim do mandato, nas hipóteses em que eventuais crimes tenham sido praticados em função do cargo ocupado. A competência ficou mantida junto ao STF, porém, as garantias que o réu poderia possuir não”, detalhou o advogado.

Dessa forma, o Congresso não pode determinar a suspensão do processo contra Bolsonaro. O Legislativo pode adotar a medida somente em relação a Ramagem, que é o único parlamentar réu na ação penal.

Mesmo com a sustação, o deputado não está livre do julgamento, tendo em vista que os trâmites relativos a ele na petição devem seguir após o fim de seu mandato, em 2026. 

Próximos passos

Motta enviou ao STF, por meio de ofício, o avulso da matéria, categorizada na Câmara como Sustação de Andamento de Ação Penal 1/2025; a Resolução 18/2025, originada por meio da promulgação da decisão; e as notas taquigráficas da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), que aprovou o parecer favorável à suspensão, e da sessão plenária que o confirmou. 

Os documentos foram recebidos pela Suprema Corte e encaminhados ao presidente, ministro Luís Roberto Barroso. A sustação deve ser submetida à Primeira Turma do STF, que vai analisar a validade. A tendência é que os ministros não acatem a decisão da Câmara.

Mesmo que o Congresso tenha aprovado, o STF deve decidir sobre a suspensão do processo. Nesse sentido, a Suprema Corte afirmou que a Câmara não pode suspender a íntegra do processo sobre a tentativa de golpe contra o deputado Ramagem. 

No comunicado enviado à Casa Baixa, no final de abril, o presidente da 1ª Turma, ministro Cristiano Zanin, informa que a suspensão não seria aplicada aos demais réus da ação penal e valeria somente para os crimes cometidos após a diplomação de Ramagem como deputado.

Como funciona a sustação

A sustação de ação penal é uma medida prevista na Constituição. De acordo com a Carta Magna, quando o STF recebe uma denúncia contra algum parlamentar, deve comunicar à Casa Congressual a qual o acusado pertence (Câmara ou Senado), acerca da instauração do processo.

Recebida a comunicação pela Câmara ou Senado, a Casa irá decidir acerca do prosseguimento ou da suspensão do trâmite da ação penal. “Internamente, aliás, há um rito previsto no regimento, que determina que a matéria seja submetida ao crivo da CCJ. Com o parecer, a votação é realizada mediante convocação prévia. Se aprovada a suspensão do trâmite da ação penal, ela ficará sustada até o término do mandato”, esclareceu Guilherme Barcelos. 

“A possibilidade de sustar o andamento de uma ação penal é um freio e um contrapeso do parlamento em face do Judiciário”, acrescentou o especialista em Direito Constitucional. Nos casos em que a sustação é aprovada, essa só se aplica ao período em que o réu estiver exercendo seu mandato. “Vale lembrar, inclusive, que o prazo prescricional, durante o prazo de sustação da ação penal, permanecerá suspenso também”, alertou Barcelos.

A Constituição ainda estabelece que todo parlamentar em exercício, quando há cometimento de algum crime, deve ser julgado pelo STF, isso porque os deputados e senadores diplomados detêm foro por prerrogativa de função. 

“Os Deputados e os Senadores, no mais, desde a expedição do diploma, não poderão ser presos, salvo em flagrante delito por crime inafiançável”, ressaltou Barcelos. O mesmo se aplica ao presidente da República. 

Referente ao chefe do Executivo, o Congresso também pode avaliar a instauração de processo criminal. Se tratando da esfera processual penal, o presidente do Brasil pode ser processado por crime de responsabilidade —  infração cometida por agentes políticos, inerente ao exercício da função, e que causa dano à ordem constitucional —, ocasião em que compete ao parlamento avaliar a continuidade da ação e o devido afastamento do cargo à frente do Planalto. 

“Na hipótese de crime comum, com denúncia apresentada perante o STF, a ação penal só será instaurada contra o presidente se houver a autorização da Câmara. E a instauração só seria autorizada com o voto de dois terços dos membros da Câmara”, elucidou o advogado. 

Por outro lado, quando o presidente ou o parlamentar deixa de exercer o cargo político, ele não está  mais assegurado pelo foro privilegiado, nem detém imunidade. “Encerrado o mandato, não há falar nessas garantias”, reforçou o doutor em Direito, Guilherme Barcelos. 

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