Opinião: “o tédio no trabalho e os limites da ambição”

A ambição é um tema discutido pela humanidade desde os primórdios da civilização. Como todo assunto polêmico, há uma certa polarização nestes debates – uns contra e outros a favor. No meio dessa discussão secular, pode-se destacar duas frases a respeito deste tópico (e nenhuma delas é de empresários ou políticos). A primeira é do gênio das artes Salvador Dali: “Inteligência sem ambição é como um pássaro sem asas”. A outra é do escritor Thomas Merton: “Quando a ambição acaba, a felicidade começa”.

Temos aqui dois extremos: Dali exalta o desejo veemente de progredir através da riqueza ou do reconhecimento; já Merton considera esse anseio algo maléfico, que contamina a essência do ser humano. Na edição do jornal “Folha de S. Paulo” de ontem, há dois textos que se alinham bastante com o conceito defendido pelo escritor americano, que também foi monge trapista e, portanto, levou uma vida monástica e sem luxos.

A entrevista principal do jornal é com a cineasta e filantropa Abigail Disney, sobrinha-neta de Walt Disney. Abigail defende a taxação de grandes fortunas (grupo do qual ela faz parte, pois seu patrimônio é avaliado em US$ 500 milhões) e já disse o seguinte ao jornal britânico “The Guardian”: “Todo bilionário que não consegue viver com US$ 999 milhões é uma espécie de sociopata”.

A conclusão de Abigail provoca alguns questionamentos. Um deles é: há limites para ambição?

Para a cineasta, aparentemente, os bilionários são motivados apenas pelo acúmulo constante de dinheiro. Ao chegar em um determinado patamar (para ela, seria uma soma pouco anterior aos sete dígitos), esse grupo de pessoas deveria parar de trabalhar e consumir o que está guardado em sua conta bancária.

Bem, nem todos os bilionários são motivados apenas pelo dinheiro. A imensa maioria deles é instigada pelos desafios e pela realização de tirar uma ideia do papel e trazê-la à realidade. A recompensa financeira, para esses indivíduos, é uma consequência e não o motivo principal de um novo empreendimento.

Um bilionário brasileiro que já entrevistei algumas vezes costuma dizer que seu estilo de vida mudou depois que ficou rico, mas que seus hábitos continuaram rigorosamente os mesmos depois de cruzar a fronteira do bilhão. No caso dele, inclusive, algumas de suas propriedades fora do Brasil foram adquiridas juntamente com três amigos. Dessa forma, os custos são repartidos e os imóveis têm maior utilização. Ou seja, nem todos os ricaços querem ganhar mais para gastar ainda mais.

Na página seguinte à entrevista de Abigail, há um artigo que versa sobre o “boreout”, um fenômeno que acomete jovens em início de carreira. O termo quer dizer o tédio profissional que muitos sentem ao realizar tarefas operacionais sem grande propósito.

Entregar-se ao tédio, no entanto, é como negar qualquer tipo de ambição – material ou intelectual. Quando estagiário no extinto jornal “Gazeta Mercantil”, fui encarregado de produzir uma seção diária chamada “Minibalanços” – demonstrações financeiras de empresas que não tinham ações negociadas em bolsas de valores, mas cujos dados eram divulgados por suas tesourarias.

Era um trabalho meramente mecânico, de copiar os dados fornecidos pela editoria que produzia o guia “Balanço Anual”, uma versão da Mercantil para o “Melhores e Maiores”, da revista EXAME. Confesso que, nos dois primeiros meses, achava aquilo uma chatice.

Outra coisa que me deixava absolutamente enfastiado: cobrir as reuniões entre analistas de mercado e as diretorias financeiras de empresas abertas (ou que pretendiam lançar ações ou debêntures). Uma chatice sem fim, mas alguém precisava acompanhar esses encontros e escrever sobre o que havia sido discutido. No caso, esse alguém era aquele que estava na base da pirâmide: eu.

Depois de um tempo, no entanto, percebi que aquele desânimo não me levaria a nenhum lugar. Criei, então, um jeito de compilar as informações dos “Minibalanços” mais rapidamente e sugeri uma mudança no formato da seção. Também passei a cobrir as reuniões de analistas com outro olhar e redigir os artigos com um estilo mais ágil (confesso que, no início, escrevia aquelas reportagens de uma forma um tanto burocrática).

Com essa nova abordagem, minha ambição reacendeu e passei a ser mais ativo na redação, cavando outros espaços. Emplaquei algumas matérias de primeira página e, finalmente, fui escalado para a manchete do jornal. Meu trabalho começou a aparecer e, com isso, alguns meses após minha formatura, fui convidado para trabalhar na revista Veja, que foi fundamental para a minha formação como jornalista.

O tédio vai minando silenciosamente a ambição e transforma inúmeros profissionais talentosos em funcionários medíocres. O desafio, neste caso, é enorme: ver graça naquilo que é insípido, incolor e inodoro. Uma tarefa dificílima. Mas não impossível.

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