Jovens: digitais, sim; tecnológicos, não

Há aqueles que não sabem enviar um e-mail, outros que não sabem abrir um documento de Excel. Estou, surpreendentemente, referindo-me a uma parcela dos nossos jovens.Abrir um arquivo de Excel e procurar um nome na lista, enviar um e-mail colocando as informações corretas no corpo da mensagem e no assunto, saber entrar em um diretório no Drive e fazer o download de um arquivo para assinar: ações triviais que estão presentes em nosso cotidiano, seja no trabalho, na escola ou na universidade.

Por meio do meu trabalho, tenho contato com jovens da rede pública de todo o país. Se disser que uma parte significativa tem dificuldades para fazer essas tarefas, você, leitor, acreditaria?

Semana passada precisei liberar informações de login para um simulado, e fiz isso via Excel. Talvez tenha sido ingênuo demais, mas não poderia imaginar que muitos nem saberiam abrir o arquivo e procurar seu nome lá.

Jovens, os da era da tecnologia?

Fiquei chocado e assustado com tamanha dificuldade, e algo me veio à mente. Nós dizemos comumente que a geração atual é a da tecnologia, mas será mesmo?

Também sempre compartilhei desse senso comum. Tenho 12 sobrinhos e acompanhei claramente, do mais velho para o mais novo, o quão rápido tinham acesso ao celular para ver vídeos e jogar.

Reparem quando estiverem em algum restaurante, parque, shopping ou até mesmo no cinema. Verão vários jovens e crianças com o celular na mão, mostrando uma incrível habilidade.

Dado o contexto, é natural compartilhamos a ideia de que são os mais adaptados à tecnologia que já existiram, mas tenho pensado que não é bem assim não.

Ou será que são da era do digital?

Talvez tenha sido movido pelo cansaço de precisar explicar a mesma informação “n” vezes, mas fiquei particularmente incomodado com tanta dificuldade para abrir um arquivo do Excel e procurar seu nome. Pensei: “poxa, vivem com o celular na mão, como assim estão tendo essa dificuldade?”

Mas daí lembrei que digital e tecnológico, embora haja interseções, são conceitos diferentes.

Digital refere-se ao sistema de transmissão e processamento de dados baseado em valores binários (dígitos 0 ou 1), usado por todo computador, celular ou objeto que contenha um processador.

Tecnologia é algo mais amplo: é um conjunto de técnicas, processos e instrumentos para alcançar um objetivo ou solucionar um problema. Um relógio analógico, por exemplo, tem muita tecnologia envolvida para indicar as horas, sem usar nenhum processamento digital.

Acredito que os jovens atuais sejam os mais acostumados à era digital que já existiram, mas isso não se traduz em também serem os com maior capacidade para usar a tecnologia.

Todos sabem navegar e postar em redes sociais, gravar vídeos para os Stories, assistir a vídeos no Youtube. No entanto, a maioria não sabe enviar um e-mail, fazer o upload de um documento no Drive ou os recursos mais básicos do Excel ou do Word, atividades em geral associadas ao uso profissional de um computador.

Devemos mirar num equilíbrio

Não quero assumir um discurso conservador e subestimar avanços que vemos hoje nos jovens, como, por exemplo, o ativismo com pautas sociais e a proximidade com o mundo digital.

Também não quero culpabilizar os jovens. Acredito que o contato com o celular, alinhado ao fato de que o digital e o tecnológico se confundem, estão mascarando o problema.

Mas não consigo naturalizar não saberem enviar um e-mail ou utilizar o básico do pacote Office. Sei que a relação com o emprego e com a educação estão em constante mudança, mas me preocupo que percam oportunidades simplesmente devido a esse déficit.

Eles têm uma forma de lidar com a internet bem própria e um conhecimento tácito que não pode ser desvalorizado. Não é sobre não usar mais redes sociais, mas eles têm um mundo nas próprias mãos e um acesso maior do que nós tivemos. É uma pena não terem a oportunidade de desenvolverem habilidades básicas que irão os ajudar na vida.

No entanto, esse desenvolvimento não ocorrerá sozinho. É preciso que haja políticas públicas tanto no caráter de incentivo quanto também de formação e capacitação para o uso das tecnologias digitais.

__

Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

O post Jovens: digitais, sim; tecnológicos, não apareceu primeiro em ISTOÉ DINHEIRO.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.