Governo Lula recebeu suspeitos de fraudes no INSS 15 vezes desde 2023

Representantes dos ministérios da Previdência Social, do Desenvolvimento Social e do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) se reuniram pelo menos 15 vezes desde o início do governo Lula (PT) com organizações investigadas por desviar R$ 6,3 bilhões de aposentadorias.

Foram 8 encontros em 2023, 5 em 2024 e 2 em 2025. Os órgãos citados acima foram considerados pelo Poder360 para o levantamento por estarem responsáveis ou terem ligação com algum benefício previdenciário ou assistencial.

Os ministros Carlos Lupi (Previdência) e Wellington Dias (Desenvolvimento Social) e o agora ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto estiveram em 8 desses encontros com entidades investigadas, como mostra o quadro abaixo:

Infográfico sobre as agendas de entidades investigadas no governo

As organizações suspeitas de descontos indevidos de aposentados e pensionistas são:

  • AAPB, Associação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil;
  • Aapen, Associação dos Aposentados e Pensionistas Nacional, anteriormente denominada de ABSP (Associação Brasileira dos Servidores Públicos);
  • AAPPS Universo, Universo Associação dos Aposentados e Pensionistas dos Regimes Geral da Previdência Social;
  • ABCB/Amar Brasil, clube de benefícios;
  • Ambec, Associação de Aposentados Mutualista para Benefícios Coletivos;
  • Apdap Prev, Associação de Proteção e Defesa dos Direitos dos Aposentados e Pensionistas;
  • CAAP, Caixa de Assistência de Aposentados e Pensionistas do INSS;
  • Conafer, Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais do Brasil;
  • Contag, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura;
  • Sindnapi, Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical;
  • Unaspub, União Nacional de Auxílio aos Servidores Públicos.

As associações e sindicatos elencados foram incluídos na investigação feita pela Polícia Federal na operação Sem Desconto.

A Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) foi a entidade suspeita mais recebida pelo governo Lula. Teve representantes em 13 das 15 reuniões realizadas com essas organizações nos órgãos mapeados. Essa instituição foi a responsável por reter o maior valor dos aposentados, segundo relatório da CGU (Controladoria Geral da União).

Procurada pelo Poder360, a Contag disse ter discutido diversos assuntos pertinentes aos segurados rurais. Informou ter tratado sobre medidas de segurança que deveriam ser adotadas em relação aos descontos de mensalidade associativa nos benefícios previdenciários. Leia ao final da reportagem a íntegra da resposta.

O Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos), que também é investigado por fraudes, esteve na sede do INSS, em Brasília, em 21 de julho de 2023 para uma reunião com Alessandro Stefanutto, à época presidente da instituição. Foi representado por Tonia Galetti, coordenadora do Departamento Jurídico da organização.

Stefanutto deixou o comando do INSS na 4ª feira (23.abr.2025) depois de ter sido deflagrada uma operação da Polícia Federal com a CGU mirando descontos indevidos de benefícios previdenciários, principalmente aposentadorias e pensões, feitos de 2019 a 2024.

O Sindnapi tem como diretor e vice-presidente José Ferreira da Silva, conhecido como Frei Chico, irmão do presidente Lula.

Em setembro de 2024, a CGU finalizou um relatório sobre uma auditoria que verificou indícios de ilegalidades nos descontos associativos dos benefícios previdenciários. O documento indicou que 97,6% dos aposentados e pensionistas do INSS tiveram descontos diretos não autorizados em seus benefícios para pagar sindicatos e associações.

O órgão entrevistou 1.273 beneficiários de abril a julho de 2024 em todos os Estados do país. Do total, 96% disseram não participar de nenhuma associação. O relatório sobre a auditoria só foi divulgado na 4ª feira (23.abr.2025). Leia a íntegra (PDF – 4,9 MB) do documento.

De acordo com a CGU, os resultados indicaram a “grande probabilidade” de os descontos terem sido feitos de maneira indevida e à revelia do interesse dos pensionistas.

O órgão relatou que a auditoria foi feita depois da identificação de um aumento súbito no montante dos descontos para mensalidades associativas realizados na folha de pagamento dos beneficiários. Segundo a CGU, em 2022, o valor dos descontos realizados foi de R$ 706,2 milhões. Em 2024, o montante mais do que triplicou, chegando a R$ 2,8 bilhões.

A controladoria identificou também que os pedidos para cancelar os descontos realizados pelos canais de atendimento do INSS cresceram “acentuadamente” a partir de julho de 2023. Em abril de 2024, foram 192 mil solicitações registradas.

Infográfico sobre valores retidos de aposentados

METODOLOGIA

O Poder360 analisou 739 mil registros de agendas de representantes e funcionários em geral do governo federal de janeiro de 2023 a março de 2025 (últimos dados disponíveis) e isolou os compromissos que tinham no campo “assunto principal” algum representante de organizações investigadas pela PF no caso de fraudes no INSS.

Depois, separou os encontros registrados por representantes de ministérios da Previdência Social, do Desenvolvimento Social e do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) com essas entidades.

O Ministério do Desenvolvimento Social foi considerado no levantamento porque cuida do BPC (Benefício de Prestação Continuada), operacionalizado pelo INSS.

É possível que outros encontros tenham sido realizados e não tenham sido registrados oficialmente. Reuniões com erro de digitação ou que omitem o nome das entidades também não conseguiram ser mapeadas pela reportagem.

OUTRO LADO

O Poder360 procurou todas as organizações recebidas pelo governo, os ministérios do Desenvolvimento Social e da Previdência e o INSS para que explicassem o que foi tratado em cada uma das reuniões.

O INSS disse que a Contag esteve no ministério em 20 de julho de 2023 “para tratar de fila do INSS, perícia médica e estrutura do ministério”. Declarou que o encontro com o Sindnapi não foi uma reunião reservada.

Já a Contag declarou ter tratado de diversos assuntos, dentre eles as medidas de segurança que deveriam ser adotadas em relação aos descontos de mensalidade associativa nos benefícios previdenciários.

Leia a íntegra da nota da Contag:

“Nesse período, a CONTAG teve  várias  reuniões com o INSS e com o Ministério da Previdência Social. Diversos foram os assuntos tratados em tais reuniões:

“- Inconsistências nas plataformas digitais do INSS (INSS Digital e Meu INSS) que dificultavam e ainda dificultam o atendimento dos segurados rurais em suas demandas previdenciárias.

“- ⁠Ajustes no formulário da autodeclaração eletrônica do segurado especial para fins de comprovação de atividade rural.

“- ⁠Indeferimentos indevidos dos requerimentos de benefícios previdenciários feitos pelos segurados especiais. Muitos indeferimentos indevidos passaram a ocorrer de forma automatizada ou por análise de servidores.

“- ⁠Problemas com o atendimento da perícia médica previdenciária nos municípios do interior. Dificuldades dos segurados rurais em conseguir  o atendimento da perícia .

“- ⁠Cadastro do segurado especial no CNIS a partir de outras bases de dados governamentais, especialmente em relação ao Cadastro da Agricultura Familiar.

“- ⁠Medidas de segurança a serem adotadas em relação aos descontos de mensalidade associativa nos benefícios previdenciários.

“- ⁠Enquadramento previdenciário do agricultor familiar que agroindustrializa a produção rural e do cooperativado. Necessidade de mudanças na legislação.

“- ⁠Habilitação dos Sindicatos de trabalhadores rurais filiados à CONTAG ao Acordo de Cooperação Técnica firmado com o INSS para encaminhar processos de benefícios através do portal  INSS Digital.  

“- ⁠Ferramentas disponíveis para o desbloqueio dos benefícios previdenciários para o processamento de desconto de mensalidade associativa considerando as regras e procedimentos estabelecidos  pelo INSS que passou a bloquear os benefícios concedidos a partir de 2020.

“- ⁠Outros assuntos.”

OPERAÇÃO “SEM DESCONTO”

A PF deflagrou na 4ª feira (23.abr) a operação Sem Desconto para investigar um esquema de descontos indevidos em aposentadorias e pensões do INSS. A operação cumpriu 211 mandados judiciais de busca e apreensão e 6 mandados de prisão temporária no Distrito Federal e em 13 Estados.

De acordo com a PF, a investigação identificou a existência de irregularidades relacionadas aos descontos de mensalidades associativas aplicados sobre os benefícios previdenciários, principalmente aposentadorias e pensões, concedidos pelo INSS.

O governo informou que em 2023 a CGU deu início a uma série de apurações sobre o aumento do número de entidades e dos valores descontados dos aposentados. A partir desse processo, foram feitas auditorias em 29 entidades que tinham ACTs (Acordos de Cooperação Técnica) com o INSS. Também foram realizadas entrevistas com 1.300 aposentados que tinham descontos em folha de pagamento.

Segundo o governo, a CGU identificou que as entidades não tinham estrutura operacional para prestar os serviços que ofereciam aos beneficiários e que, dos entrevistados, a maioria não havia autorizado os descontos. A Controladoria também identificou que 70% das 29 entidades analisadas não tinham entregado a documentação completa ao INSS.

Na operação, 6 pessoas foram afastadas de suas funções. Entre elas, o então presidente do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), Alessandro Stefanutto.

Eis a lista das pessoas que foram afastadas de seus cargos no INSS:

  • Alessandro Stefanutto – presidente (que depois pediu demissão);
  • Virgílio Ribeiro de Oliveira Filho – procurador-geral do INSS;
  • Vanderlei Barbosa dos Santos – diretor de Benefícios junto ao Cidadão;
  • Giovani Batista Fassarella Spiecker – coordenador-geral de Suporte ao Atendimento ao Cliente;
  • Jucimar Fonseca da Silva – coordenador-geral de Pagamentos e Benefícios;
  • policial federal – identidade não foi divulgada.

Os crimes em investigação são:

  • corrupção ativa e passiva;
  • violação de sigilo funcional;
  • falsificação de documento;
  • organização criminosa;
  • lavagem de capitais.

A PF informou que apreendeu carros de luxo, dinheiro em espécie, joias e quadros. Os valores totais e a quantidade exata ainda estão em levantamento.

Mais cedo no mesmo dia, às 6h30, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, e o ministro da CGU, Vinícius de Carvalho, se reuniram com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Palácio da Alvorada para explicar a operação e as medidas adotadas.

Eis algumas informações esclarecidas pelo governo:

  1. Como funciona o desconto de mensalidades?
    As entidades de classe, como associações e sindicatos, formalizam Acordos de Cooperação Técnica com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Esses acordos permitem que as entidades realizem descontos de mensalidades associativas diretamente na folha de pagamento dos beneficiários do INSS, desde que autorizados pelos aposentados e pensionistas.
  2. Autorização do beneficiário
    Para que o desconto seja realizado, a entidade precisa da autorização expressa e individual de cada beneficiário para realizar o desconto de sua mensalidade associativa. Na investigação, foram identificadas, porém, a ausência de verificação rigorosa dessa autorização e a possibilidade de falsificação de documentos de filiação e autorização.

Medidas adotadas

O governo determinou a suspensão dos Acordos de Cooperação Técnica das entidades associadas ao INSS e, consequentemente, dos descontos feitos nas folhas de pagamentos de aposentados e pensionistas.

De acordo com o governo, 11 entidades associadas foram alvo de medidas judiciais. Leia abaixo quais são e o ano em que o acordo com o INSS foi firmado:

  • AAPB (2021);
  • Aapen (anteriormente denominada ABSP) (2023);
  • AAPPS Universo (2022);
  • ABCB/Amar Brasil (2022);
  • Ambec (2017);
  • APDAP Prev (anteriormente denominada Acolher) (2022);
  • Caap (2022);
  • Conafer (2017);
  • Contag (1994);
  • Unaspub (2022);
  • Sindnapi (2014).

Segundo o governo, os aposentados e pensionistas do INSS que identificarem desconto indevido de mensalidade associativa no extrato de pagamentos (contracheque) podem pedir a exclusão do débito de forma automática pelo aplicativo ou site “Meu INSS”.


Leia mais:

  • Presidente do INSS é investigado por fraude de R$ 6,3 bi;
  • Quem é Stefanutto, presidente do INSS investigado por fraude;
  • Indicação Stefanutto é minha responsabilidade, diz Lupi;
  • Lula manda demitir presidente do INSS após operação da PF
  • PF afasta procurador-geral do INSS em operação contra corrupção;
  • Saiba quem foram os afastados do INSS por desvio de R$ 6,3 bi
  • Leia a íntegra do relatório da CGU sobre fraude no INSS
  • Lewandowski cita preocupação de Lula sobre operação no INSS
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