Cinco prédios da mesma construtora em Fortaleza são notificados por risco de desabamento; moradores denunciam negligência na manutenção


Conforme a Defesa Civil, nenhuma das edificações teve risco crítico de desabamento nem precisou ser interditada. Imagens, contudo, mostram problemas de infiltrações e vazamentos em diversos pontos. Moradores denunciam más condições estruturais em prédios de bairros nobres em Fortaleza
Cinco prédios residenciais em Fortaleza tiveram notificações por risco de desabamento emitidos pela Defesa Civil entre 2019 e 2024. Em comum, as edificações ficam em bairros nobres da capital e são administradas pela Construtora e Imobiliária SAD, que é alvo de reclamações de moradores por falhas na manutenção.
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Conforme a Defesa Civil de Fortaleza, nenhum dos casos notificados envolveu risco alto e necessidade de interdição.
Em lista confirmada pela Defesa Civil de Fortaleza, cinco dos 13 prédios da construtora receberam notificações por risco de desabamento em um período de seis anos.
Os prédios são:
Residencial Linhares: Rua Humberto Monte, 1799 – Bela Vista. Registro de risco de desabamento em 2024.
Edifício Alda Cardoso Linhares: Avenida Rui Barbosa, 2055 – Aldeota. Registro de risco de desabamento em 2024.
Edifício Antônio Cardoso Linhares Neto: Rua Leonardo Mota, 2210 – Dionísio Torres. Registro de risco de desabamento em 2023.
Edifício Luis Linhares II: Rua Padre Valdevino, 1515 – Aldeota. Registro de risco de desabamento em 2023.
Edifício Luís Linhares: Rua Joaquim Alves, 26 – Meireles. Registro de risco de desabamento em 2019.
Os relatos dos moradores dão conta de problemas graves nos cinco prédios e em outros administrados pela mesma construtora. Dentre os que causam temor pela segurança, estão: elevadores que quebram constantemente ou deixam pessoas presas, paredes com infiltrações, vazamentos de água e pedaços do revestimento externo caindo em áreas onde as pessoas circulam.
Outras situações que preocupam os inquilinos incluem aumentos de preços considerados abusivos, períodos com falta de água, infestações de pragas e insetos, ausência de respostas às reclamações e a falta de transparência sobre as perspectivas de reparos.
Situados em bairros nobres da capital, como Aldeota, Meireles, Dionísio Torres e Joaquim Távora, os edifícios continuam com unidades para alugar e contam com taxas condominiais custando, em média, R$ 500.
Enquanto a localização é apontada como fator positivo pelos moradores, os transtornos enfrentados na rotina em busca de melhorias básicas geram desgastes e relatos de arrependimento entre eles.
Não houve riscos de colapso, diz Defesa Civil
Edifício Antônio Cardoso Linhares Neto é um dos cinco prédios com risco de desabamento notificado em Fortaleza
Thiago Gadelha/SVM
As vistorias realizadas pela Defesa Civil podem identificar riscos em diferentes níveis. Desta forma, o risco pode ser considerado leve, médio, alto e crítico.
Ao g1, o coordenador da Defesa Civil de Fortaleza, coronel Haroldo Gondim, afirmou que estas vistorias feitas nos edifícios não apontaram riscos em níveis críticos, que justificariam a interdição dos imóveis.
“Quando a gente fala que tem um risco de desabamento, isso não quer dizer que o imóvel vai colapsar. Isso não quer dizer também que seria todo o imóvel. Às vezes, a gente vai para uma análise estrutural, e é só uma parte de uma garagem, um afundamento em uma parte do térreo”, exemplifica o coordenador.
O órgão faz a vistoria em edificações com o trabalho ativo de prevenção e também pode ser acionado por diversos canais, incluindo por meio de denúncias anônimas.
Em caso de riscos constatados em condomínios, o coordenador explica que as melhorias necessárias ficam sob responsabilidade dos síndicos ou, na falta deles, dos proprietários.
“A gente trabalha com riscos. Se a gente vê que a vulnerabilidade está muito alta, a gente vai pecar pelo excesso e interditar até que medidas sejam tomadas ou pelo proprietário ou pelo síndico. Se perceber que não está sendo feito nada, a gente pode acionar a Agefis [Agência de Fiscalização de Fortaleza] para fazer um auto de infração”, complementa.
Segundo Haroldo Gondim, ao perceber que as estruturas seguem sem reparos, os moradores podem sempre acionar a Defesa Civil para novas vistorias.
O que diz a construtora
Em nota aos moradores, a Construtora e Imobiliária SAD afirma que iniciou, nesta terça-feira (22), um processo de inspeção técnica em suas construções.
“Para isso, realizamos uma criteriosa seleção de engenheiros civis especializados em patologias construtivas, garantindo que as avaliações sejam conduzidas com o mais alto padrão técnico e ético”, diz o texto.
“Informamos que todos os edifícios com alegações de risco estrutural já foram vistoriados por essa equipe. Os relatórios preliminares indicam que não há evidências de risco à segurança estrutural das edificações inspecionadas. Ressaltamos que os laudos técnicos completos serão prontamente encaminhados à Defesa Civil, juntamente com os planos de ação para a correção de eventuais patologias identificadas”, complementa a nota assinada por Antônio Cardoso Linhares, proprietário da empresa.
Moradores relatam problemas há anos
Moradores denunciam infiltrações, vazamentos e falhas na manutenção no edifício Alda Cardoso Linhares, na Aldeota
Arquivo Pessoal
Os inquilinos ouvidos pelo g1 e os que já escreveram avaliações sobre os edifícios da construtora na internet comentam vários pontos em comum.
Um deles é que, em algum momento após fazer reclamações sobre condições estruturais dos prédios, eles ouviram uma mesma resposta: “se estiver achando ruim, é só ir embora”. Segundo os relatos, isso teria vindo de funcionários e de síndicos, que seriam escolhidos pela empresa.
Sair parece uma decisão simples. Mas, na prática, ela pode custar mais de R$ 10 mil a uma das atuais moradoras do Edifício Alda Cardoso Linhares — que recebeu notificação por risco de desabamento em 2024. A personal trainer, que preferiu não se identificar, vive de aluguel no prédio há quatro anos.
Além dos custos com a mudança, caução e valor de aluguel para um novo lugar, ela se prepara para contratar um advogado que auxilie com a burocracia para encerrar o contrato atual com a imobiliária.
“Todos que saíram já me alertaram de que eles são extremamente desonestos e hostis no ato da entrega, se recusando a devolver o caução, exigindo uma qualidade de entrega muito superior à que eles entregaram, mandando trocar todas as portas e armários”, exemplifica a moradora.
Para os locatários, existe também a possibilidade de multa caso saiam antes do fim do contrato firmado. A moradora ouvida pelo g1 busca encerrar um longo período de preocupações.
“Centenas de famílias estão nessa situação de pânico e vulnerabilidade. Todos desesperados sentindo a urgência de se mudar e sendo pegos desprevenidos. […] Meu cachorro precisaria fazer uma cirurgia agora que me custaria R$ 2 mil, mas vai ter que ser adiada porque a prioridade é me mudar antes que esse prédio desabe”, partilha a personal trainer.
Nos primeiros meses como inquilina, ela começou a perceber as dificuldades. Os dois elevadores ficaram por semanas sem funcionar no prédio, que tem 21 andares e moradores idosos. Ela conta que, no grupo de mensagens entre os condôminos, eles contabilizaram que dez pessoas ficaram presas no elevador em um único dia.
Problemas hidráulicos e tomadas que explodiram fizeram parte de experiência de moradora do edifício Alda Cardoso Linhares
Arquivo Pessoal
Os problemas também afetaram o apartamento onde ela mora. Ela conviveu com infiltrações aparecendo nas paredes, problemas hidráulicos e tomadas dando choque e explodindo, chegando a inutilizar eletrodomésticos. Quando buscava a imobiliária e a construtora em busca de soluções, vinha a frustração.
“Não há a quem recorrer: os funcionários são hostis, debochados, visualizam e não respondem nenhuma mensagem. Eles agem com negligência, desprezo e como se não existisse lei. Todos os condôminos reclamam de infiltrações, e eles nada fazem. Isso estaria incluso no condomínio que pagamos”, denuncia.
Dentre diversas irregularidades apontadas pela locatária, ela denuncia o aumento de R$ 1 mil no valor do aluguel, uma mudança considerada por ela como abusiva e que foi comunicada por uma carta no último mês. Assim que conseguir sair do edifício, ela quer processar a empresa.
“Eu vou ficar endividada. Fora as crises de ansiedade que venho tendo direto e as noites sem dormir, desde a notificação do aumento, e agora pioradas com o medo de desabar. Uma situação caótica e angustiante de todas as formas. Só prejuízos materiais e psicológicos”, conclui a moradora.
Época das chuvas agrava o medo
Edifício Papaitio, no bairro Joaquim Távora, também tem relatos de infiltrações, rachaduras e vazamentos
Arquivo Pessoal
O edifício Papaitio, no bairro Joaquim Távora, tem gerado reclamações semelhantes entre os moradores. Um publicitário que mora no prédio desde 2022 partilha que, nos meses mais chuvosos, os problemas estruturais ficam mais evidentes. A situação se assemelha à relatada por moradores de outros prédios da mesma construtora.
Em imagens do prédio repassadas à reportagem, é possível ver paredes e tetos com infiltrações, grandes rachaduras e pedaços que já chegaram a desabar.
“Não sei qual o status do prédio, se ele corre risco ou não. Mas a gente vê o tanto de parede mofada, desgastada e sem nenhum tipo de manutenção”, relata o morador.
No primeiro ano como inquilino, ele relata que se assustou com uma grande rachadura no teto do andar onde mora. Ele informou a situação para imobiliária que intermediou o aluguel dele. Porém, ele comenta que os problemas são repassados para a SAD.
Moradores registram rachaduras e buracos no forro do edifício Papaitio, no bairro Joaquim Távora
Arquivo Pessoal
A solução encontrada, segundo ele, foi apenas cobrir a rachadura com argamassa e uma pintura, sem uma avaliação do que havia causado o problema. O teto em cima da vaga dele no estacionamento continua com um buraco, ainda não solucionado.
Ainda conforme o publicitário, só houve uma assembleia realizada com os moradores nos últimos três anos. Foi para a substituição da portaria física por um sistema eletrônico.
Ele explica que, assim como inquilinos relatam nos outros prédios residenciais da construtora, a própria empresa é dona da maioria dos apartamentos no edifício, obtendo a maioria dos votos.
Para o morador, a única perspectiva dele é esperar o fim do contrato de aluguel para poder procurar outro lugar. Embora outros inquilinos estejam se mobilizando para mover alguma ação conjunta, ele se diz desmotivado ao saber de tentativas anteriores de processos judiciais sem sucesso.
Muitas reclamações e pouca solução
Problemas nos elevadores são reclamações constantes no Edifício Vera Cavalcante Linhares, em Fortaleza
Arquivo Pessoal
As imagens feitas por locatários do Edifício Vera Cavalcante Linhares, outro prédio administrado pela SAD, mostram áreas alagadas no primeiro andar, pedaços de forro caindo, elevadores com botão faltando, goteiras e vazamentos praticamente lavando os carros estacionados na garagem.
O prédio fica na rua Gonçalves Ledo, quase em frente ao Mercado dos Pinhões. Para o cabeleireiro Artur Felipe, de 32 anos, a experiência como morador começou sem grandes problemas.
“Quando a gente visita é tudo lindo e maravilhoso. Mas as outras imobiliárias que alugam apartamentos lá também deveriam ser responsáveis também, pois elas deveriam ser bem sinceras conosco”, opina.
Nos primeiros meses, ele percebeu um vazamento no apartamento e só viu o problema ser resolvido depois de três meses enviando e-mails quase diariamente.
“Quando me colocaram no grupo [de mensagens] dos moradores, eu entendi onde eu tava morando. A gente passava dois, três dias sem água. Já teve Carnaval em que as pessoas passaram sem água, teve um morador idoso que foi dormir em um hotel porque não conseguia tomar banho”, relata Artur.
Problemas estruturais são denunciados no Edifício Vera Cavalcante Linhares, em Fortaleza
Arquivo Pessoal
Um dos problemas atuais é o revestimento externo: segundo ele, é comum ver os pedaços de cerâmica caindo, podendo atingir pessoas e já tendo danificado o telhado do estacionamento. Nos elevadores, também há reclamações de falhas constantes e pessoas ficando presas.
“E tudo que a gente manda para o síndico, ele diz que vai abrir um bendito protocolo, Tipo, já vai fazer um mês que o elevador social está com os botões que não prestam. Ele só abre protocolo, e nada é feito.”
Ele afirma que os inquilinos não costumam receber um retorno sobre as melhorias solicitadas por eles. E que o mais comum é que as conversas no grupo de moradores acabem em confusão.
“Algumas imobiliárias têm ódio de alguns moradores porque, quando a gente vê alguém fazendo visita, a gente alerta. A gente diz: ‘Não venha, porque acontece isso e isso’. A gente alerta para que esse novo morador não sofra o que a gente vem sofrendo”, conclui.
Por mais que o prédio esteja em uma boa localização, ele afirma que o valor pago é considerado alto para pouca qualidade de vida. Mesmo sem área de lazer, parquinho ou outros atrativos, ele considera que a moradia seria boa se o prédio passasse por uma manutenção adequada.
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