Mercado celebra liderança feminina, mas espera atitude masculina, diz CEO da Roche

Apesar dos avanços em termos de diversidade e equidade de gênero, Lorice Scalise, presidente da Roche Farma Brasil, relata que as barreiras ainda existem, que as pressões são “invisíveis” e que trilhar uma carreira que leva a um cargo executivo, sendo mulher, acarreta em dilemas.

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Lorice Scalise é a primeira mulher a liderar a Roche Farma Brasil em 90 anos de história da companhia em solo brasileiro e participou do Dinheiro Entrevista.

“Para ser bem sincera, enfrentei situações diferentes do que meus pares homens. Quando entrei na Roche eu já tinha um casal de filhos, tenho gêmeos com um ano e três meses. Eu entrei na Roche como vendedora e meus pares e meus chefes eram todos homens. Minha filha teve uma broncopneumonia e eu me internei no [Hospital] Santa Catarina com ela e meu filho mais novo e não contei par ninguém que ela estava doente, continuei trabalhando porque eu tinha pavor de que as pessoas pensassem que pelo fato de eu ter que cuidar, porque sou mãe solteira, eu não teria condições de trabalhar no mesmo ritmo do que meus pares homens”.

Mudou para a Suíça e filho de 9 anos ficou no Brasil

A executiva relata que “nunca teve dúvidas” sobre a carreira, “mas sempre teve dilemas”. Ele relembra que em meados de 2014 se mudou para a Suíça – país de origem da Roche, multinacional farmacêutica – quando seu filho tinha 9 anos.

Ela conta que foi um momento de “muitas dúvidas e muitas cobranças”, apesar de que seu filho havia ficado aos cuidados do pai e estava sendo ‘muito bem cuidado’.

A sua visão é de que apesar de a liderança feminina ser celebrada a priori, o mercado ainda não trata com idoneidade as mulheres que assumem posições de liderança.

“Eu fui a primeira mulher a assumir o cargo de GM [general manager] da Roche na Argentina, sou a primeira aqui no Brasil. Eu falo que quando você assume a posição todo mundo fala ‘que legal, parabéns’, mas no momento seguinte, na primeira bola dividida, as pessoas estão esperando que você tenha uma atitude de quem veio antes de você, de um arquétipo masculino – que não é o meu”.

“Acho que o maior desafio é encontrar e criar para essa posição um modelo diferente, não sou os homens que vieram antes de mim, tenho um outra forma de gestão e acho que a riqueza está em existirem outros modelos”, completa.

A executiva ainda adiciona que cotas de percentuais de cargos para mulheres não é a solução final para os problemas de equidade de gênero.

“Não basta ter 60% de mulheres [em cargos de liderança], eu quero mulheres engajadas ocupando essas posições”.

Licença-maternidade cria viés

Indagada sobre quais políticas de gênero poderiam ser mudadas, para além das questões corporativas, Lorice cita que a política atual de licença-maternidade é obsoleta e, apesar de figurar como uma conquista para as mulheres, teve impactos não necessariamente positivos.

“Se tem um tema hoje que para mim ele é crítico com relação à inserção e às melhores condições para as mulheres é a questão da licença-maternidade. Apesar de ser uma enorme conquista para as mulheres, hoje ela já fica como um bias [viés] inconsciente. Da minha perspectiva, todas as pessoas, independentemente do sexo, que decidem ter um filho, deveriam ter o direito de compartilhar [a licença], ter tempo e estar em casa”, diz Scalise.

A executiva, assim, defende uma política de licença compartilhada. Atualmente a companhia ainda não possui políticas de criar uma licença parental, mas tem projetos para tal.

A Roche já implementa outras políticas como ampliação da licença paternidade para 20 dias, auxílio-creche para crianças de até 60 meses (ajuda de custo para o subsídio de creche, escola ou babá quando estes forem pagos pelo funcionário), para o pai que tiver a guarda unilateral e um kit bebê entregue na casa dos funcionários, no momento do nascimento ou adoção do filho.

licença parental, como é chamada, é adotada em alguns países atualmente, especialmente na Escandinávia.

Na Suécia, por exemplo, há uma licença compartilhada de 480 dias (cerca de 16 meses), dando direito para ambos os pais. Cada um deve tirar pelo menos 90 dias (não transferíveis) e o restante pode ser dividido livremente. Durante 390 dias, os pais recebem 80% do salário, e nos 90 dias finais, um valor fixo menor.

‘Tratamento para todos’

Sobre os métodos da indústria farmacêutica para calibrar o preço de remédios para doenças raras, Lorice comenta que ‘desde sempre busca uma solução’, especialmente para doenças raras ou as não assistidas.

“A indústria olha para aquelas pessoas como se não merecessem atendimento, e eu digo que é inadmissível, todas as pessoas que precisam de cuidado deveriam tê-lo”, afirma.

“O desafio é como você traz uma solução para aquilo sem que aquilo vire um burden social em termos de custo. Como exemplo, temos uma medicação da Roche que ganhou espaço porque é um tratamento que as pessoas, a princípio, enxergam como caríssimo. Na verdade é uma terapia genética de dose única, e que a partir dela as crianças tem um desfecho completamente diferente”, adiciona.

Nesse sentido, Lorice defende que o custo é caro a priori, mas diluído em 5 ou 10 anos seria mais barato ou em pé de igualdade com outros tratamentos com custo por unidade mais baratos e que exigiram múltiplas doses ao longo do tempo.

O medicamento o qual a executiva se refere é o Elevidys (delandistrogeno moxeparvoveque), uma terapia gênica de dose única aprovada pela Anvisa em dezembro de 2024.

Trata-se de um medicamento indicado para o tratamento da distrofia muscular de Duchenne (DMD), que atinge crianças de 4 a 7 anos que ainda conseguem caminhar. A doença é rara, progressiva e causa perda de força muscular.

O custo da terapia é elevado, estimado em R$ 17 milhões por aplicação, mas oferece a possibilidade de preservação da função motora por até cinco anos.

Ozempic da Roche Farma?

Indagada sobre um possível medicamento análogo ao Ozempic, a executiva revelou que ‘é uma área que a empresa olha muito’. O medicamento visa o tratamento de Diabetes tipo 2 mas tem sido usado massivamente para reduzir quadros de obesidade – tema que Lorice comenta que enfrenta preconceitos na indústria.

“Por muito tempo associamos o câncer de pulmão ao cigarro, e inclusive fomos preconceituosos de imaginar que só as pessoas que fumavam tinham câncer de pulmão. A mesma relação acontece com a questão da obesidade, sempre fica parecendo que é porque a pessoa não se exercita ou não come direito, e na verdade existem inúmeras e infinitas possibilidades que levam a pessoa a ter um quadro de obesidade. É um problema mundial e social”, comenta.

Segundo Lorice, a empresa tem ‘evoluído para contribuir e para entrar neste mercado’.

Atualmente, a Roche Farma não possui nenhum medicamento aprovado e disponível no Brasil especificamente para o tratamento da obesidade, mas está investindo no desenvolvimento de terapias inovadoras nessa área.

Um dos principais projetos em andamento é o CT-996, um comprimido oral diário que atua como agonista do receptor GLP-1, semelhante ao princípio ativo do Ozempic (semaglutida).

Em estudos clínicos iniciais, o CT-996 demonstrou uma redução média de 6,1% no peso corporal em apenas quatro semanas de uso.

Outro candidato promissor é o CT-388, uma formulação injetável semanal que, nos estudos, mostrou uma perda de peso média de 18,8% após 24 semanas de tratamento.

Ambos ainda estão em fase de testes e não têm previsão de lançamento no mercado brasileiro pela Roche Farma

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