Setor elétrico vê avanços em proposta de reforma, mas indústria teme alta de custos

A proposta de reforma do setor elétrico apresentada pelo Ministério de Minas e Energia foi bem recebida por diferentes agentes e especialistas da área, que disseram ver como positivos os avanços principalmente para a liberalização de mercado a todos os consumidores e redução de custos da energia para famílias de baixa renda.

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Mas a proposta foi vista com cautela pela indústria, que teme potencial aumento de custos e prejuízo à sua competitividade, e também levantou preocupação geral com a tramitação no Congresso, podendo ser desfigurada pela inserção de emendas “jabutis”, como costuma ocorrer em projetos do setor.

Apresentada na véspera, a reestruturação do setor elétrico sugerida pelo Ministério de Minas e Energia traz medidas de “justiça tarifária”, como ampliação do programa Tarifa Social e isenção no pagamento da CDE, principal encargo setorial cobrado na conta de luz, para famílias de baixa renda.

O custo adicional dessas medidas, de R$ 4,5 bilhões para a CDE, seria compensado com uma limitação de descontos a consumidores do mercado livre de energia no uso da rede elétrica. A estimativa é de que esse corte de incentivos geraria R$  10 bilhões em redução de CDE ao longo do tempo.

Luiz Barroso, CEO da consultoria PSR, elogiou o projeto do governo, avaliando que ele foca nos temas essenciais para a sustentabilidade e reequilíbrio do setor, buscando redividir custos e benefícios.

“A modernização da tarifa social, que está desatualizada mesmo, é importante, até para ajudar no combate ao furto de energia, que hoje custa mais de R$ 10 bilhões ao setor”, disse Barroso.

Ele lembrou ainda que muitos dos pontos abordados no projeto já são conhecidos do setor elétrico e discutidos há vários anos, como a abertura total do mercado livre. “As propostas são boas e permitem avanços em várias direções técnicas importantes.”

Marcelo Sá, analista de energia do Itaú BBA, apontou que os principais eixos da reforma estão alinhados às críticas que o governo tem feito sobre os custos elevados aos consumidores finais.

“Saudamos a liberalização total do mercado, pois ela permite maior concorrência para os consumidores e beneficiará a sociedade como um todo”, disse o analista em relatório, ponderando que há detalhes importantes que precisam ser observados nesse processo para não gerar desequilíbrios a outros agentes do setor, como as distribuidoras de energia.

A proposta de reforma prevê que, a partir de março de 2028, todos os consumidores de energia elétrica, inclusive residências, poderão contratar o insumo diretamente de um gerador ou comercializador, algo que hoje é restrito principalmente a empresas e indústrias.

A liberalização agradou a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), que disse que o mercado livre de energia é “democrático e oferece um ambiente moderno e competitivo a todos”.

“A proposta apresentada equaliza direitos no setor elétrico e na sociedade em geral. Qual justificativa para, por exemplo, apenas uma parte da indústria ter acesso ao mercado livre?”, disse o presidente da Abraceel, Rodrigo Ferreira, acrescentando que consumidores podem ter economia de 30% com a migração ao mercado livre.

Uma das principais novidades introduzidas pela reforma proposta foi o fim do desconto de uso da rede elétrica de distribuição e transmissão para consumidores livres na compra de energia incentivada (eólica e solar).

“Essa medida implicaria que não haveria mais ‘spread’ para energia incentivada para consumidores finais em novos contratos. Esta é uma mudança significativa para o mercado e tem um impacto muito negativo em ativos renováveis ​​com grandes volumes de energia incentivada não contratada”, avaliou o Itaú BBA.

Ferreira afirmou que a Abraceel ainda está analisando esse tema, que traz uma complexidade para consumidores de alta tensão, como indústria. No caso da baixa tensão, a entidade se posiciona favoravelmente ao fim desse desconto.

Do ponto de vista da indústria, porém, a reforma do setor elétrico foi considerada incompleta e com potencial de aumentar custos em um momento em que se deveria discutir como ampliar a competitividade industrial do Brasil, em meio às possíveis mudanças no comércio mundial com a guerra tarifária entre EUA e China.

“Quem está tomando as decisões (sobre reforma do setor) não consegue olhar o todo e está tentando resolver problemas específicos da distribuidora, da comercializadora…”, disse Lucien Belmonte, do movimento União pela Energia, que reúne 70 associações da indústria brasileira.

“É o todo (da reforma) que precisa ser funcional… Definitivamente não é um problema só do Ministério de Minas e Energia, é da Fazenda, do BC, da Indústria e Comércio… Todo mundo deveria estar envolvido”, afirmou ele.

Na véspera, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que a proposta apresentada é a “reforma possível” e “palatável”, acrescentando que haveria espaço técnico para avançar mais.

Ressuscitar jabutis

Entre elogios e críticas, os agentes foram unânimes em apontar preocupações com potencial mudanças a serem introduzidas por parlamentares que poderiam desvirtuar o projeto.

Várias propostas do setor elétrico costumam receber “jabutis” — emendas não relacionadas ao tema principal do projeto — no Congresso para beneficiar setores específicos, como o gás natural, aumentando custos aos consumidores.

“Embora reconheçamos a necessidade de mudanças no arcabouço regulatório do setor, permanecemos cautelosos quanto a possíveis alterações no propósito do projeto de lei. Isso é especialmente relevante considerando as experiências recentes em que projetos de lei foram alterados no Congresso, desviando-se de sua intenção original e aumentando a percepção de risco entre os investidores”, escreveu Sá, do Itaú BBA.

Barroso, da PSR, disse esperar que haja uma “união em prol de um setor mais sustentável”.

“É aperfeiçoar o que tem que ser aperfeiçoado e naturalmente ligar o ‘desjabutificador’ do setor para, coletivamente, evitar a ‘jabutificação’ do projeto”, afirmou o especialista.

Como a conta para a CDE vai aumentar, se não houver uma compensação, conforme previsto na proposta do governo, aquele custo adicional de R$4,5 bilhões poderia ter de ser dividido entre os consumidores.

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