RJ pagou R$ 14,9 milhões, sem licitação, a fundação por estudo com trechos inteiros plagiados

Vários trechos de plano estratégico, que deveria ser inédito, são exatamente iguais a de outros documentos. Fundação São Francisco de Assis é a mesma que venceu edital para gerir a Fundação da Mata Atlântica ‘atestando’ trabalhos feitos quando estava inativa. RJ pagou R$ 14,9 milhões, sem licitação, a fundação por estudo com trechos inteiros plagiados
A Fundação São Francisco de Assis foi contratada, sem licitação, para elaborar um plano estratégico para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Rio de Janeiro, pelo valor de R$ 14,9 milhões. O RJ2 descobriu que o estudo, que deveria ser inédito e fruto de uma profunda pesquisa, contém trechos inteiros plagiados de outras fontes.
De canil falido a gestora de fundo estadual milionário, fundação venceu edital ‘atestando’ trabalhos feitos quando estava inativa
O estudo prometia acelerar o desenvolvimento da economia do estado, mas o resultado foi uma série de trechos copiados de outras fontes. A promessa era apresentar um trabalho inédito, mas o que se encontrou foi um “copia e cola” que, se fosse um dever de casa, receberia nota zero.
➡️Como o RJ2 mostrou na segunda-feira (14), a fundação, que até pouco tempo era um canil falido, é a mesma que venceu edital para gerir milhões da Fundação da Mata Atlântica “atestando” trabalhos feitos quando estava inativa. A Secretaria de Estado do Ambiente informou nesta terça que vai abrir uma sindicância para apurar as denúncias.
Exemplos de plágio
Um trecho do estudo diz: “A economia fluminense supera seus principais entraves internos e se insere em um ciclo duradouro de desenvolvimento sustentável, aproveitando-se das principais oportunidades oferecidas pelo contexto externo favorável.”
O trecho foi retirado de um estudo de 2013 da UFRJ apresentado ao INEA.
Outro trecho plagiado, do mesmo estudo, afirma: “O estado ‘patina’ internamente e não se mostra capaz de aproveitá-las, vivenciando crescimento econômico mediano, acirramento das desigualdades socio regionais e degradação do patrimônio natural.”
O estudo também copiou vários parágrafos de um site sobre notícias de pescado e de um artigo no site de um sindicato de estaleiros.
O trecho “A produção pesqueira estimada em 2020 foi de 66.390,3 toneladas e a modalidade comercial predominantemente foi a industrial (72,4%), apesar de parcela importante vindo da artesanal” foi retirado do site Seafood Brasil.
Outra parte é cópia do site do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval): “O nível tecnológico das embarcações pesqueiras é um ponto crítico para o setor da pesca industrial regional, com a frota atual estando completamente defasada.”
Diagnóstico de outro estado
Ao analisar a política do país, o estudo diz: “As poucas melhorias observadas na gestão pública se dão de maneira incremental e descentralizada” e culpa a “burocracia e a corrupção”.
Esse diagnóstico foi feito para o estado do Espírito Santo em 2006.
Contratação e falta de experiência
A Fundação São Francisco de Assis foi contratada para fazer o estudo, mesmo não tendo apresentado nenhum documento que comprovasse experiência no assunto. Ainda assim, no chamamento público, ganhou de instituições como UFRJ e FGV. O contrato foi assinado no dia 19 de novembro de 2021.
As suspeitas de falta de experiência da fundação parecem se confirmar com a nota fiscal pelas entregas do estudo. A nota fiscal é de número três, na realidade, uma correção à nota fiscal de número dois, sinal de que, até então, a fundação só tinha prestado um serviço.
Quem assinou o contrato com o governo para o estudo foi Camilo Pinto de Souza, então presidente da fundação. Cerca de um ano depois, ele foi denunciado pelo Ministério Público num outro caso.
Camilo de Souza é réu, acusado de falsificar um estudo de impacto ambiental para a instalação do autódromo de Deodoro. Camilo é afilhado de Carlos Favoreto, o presidente do conselho deliberativo da fundação.
Favoreto é presidente do Campo de Golfe Olímpico e, antes de ser presidente do conselho, assinou um atestado de capacidade de técnica que garantiu à fundação o contrato milionário para gerir o Fundo da Mata Atlântica (entenda na reportagem abaixo).
Fundação que gere recursos do Fundo Mata Atlântica era canil falido antes de vencer edital
Novo contrato para a Secretaria de Transportes
O estudo plagiado para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico não é o único contrato desse tipo. Está saindo do forno um outro trabalho, para a Secretaria de Transportes.
O desenvolvimento de estudos técnicos sobre o plano estratégico de logística de carga vai custar R$ 25 milhões. Dessa vez, espera-se que seja pelo menos original.
O que dizem os citados
A Secretaria de Desenvolvimento Econômico disse que, no momento da contratação, a Fundação São Francisco de Assis atendia a todos os requisitos legais. Apresentou plano de trabalho aprovado, foi considerada apta tecnicamente à execução das atividades e vem prestando contas regularmente, conforme exigido pelos órgãos de controle.
A Fundação São Francisco de Assis disse que vai buscar o Ministério Público para apresentar documentos e provar a lisura das suas ações.
Nem a Secretaria de Desenvolvimento, nem a fundação responderam sobre o estudo plagiado.
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