Unesp lidera projeto de R$ 5 mi para desenvolver diesel verde

Ambientalistas e autoridades do clima do mundo todo são unânimes: o futuro do planeta depende da redução drástica das emissões de gases de efeito estufa. Parte essencial dessa missão passa pela substituição dos combustíveis fósseis por fontes renováveis. E é justamente nesse contexto que o IQ (Instituto de Química) da Unesp (Universidade Estadual Paulista), em Araraquara, dá início ao projeto “Materiais Aplicados na Transformação de Biomassa em Diesel Verde: do Laboratório ao Piloto”.

A iniciativa, aprovada pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e liderada pela professora Sandra Helena Pulcinelli, do IQ, estima o investimento de cerca de R$ 5 milhões ao longo dos próximos 5 anos em vistas de desenvolver diesel verde, também conhecido como HVO (Hydrotreated Vegetable Oil, óleo vegetal hidrogenado, em tradução livre).

“Esse projeto foi concebido com a proposta de somar competências para criar algo novo e relevante para o Brasil. O diesel verde já é produzido em outros países, mas sua exploração aqui ainda é praticamente nula”, explica a professora.

Produzido a partir de matérias-primas renováveis como óleo de cozinha usado, gordura animal e rejeitos da indústria, o HVO se diferencia do biodiesel tradicional por utilizar hidrogênio em sua produção. Segundo Sandra, isso garante uma série de vantagens: menor emissão de poluentes, maior eficiência na queima, estabilidade térmica, resistência à oxidação, versatilidade no uso, entre outras. “Ele pode ser utilizado puro ou misturado com diesel convencional ou mesmo com biodiesel”, acrescenta.

De acordo com o professor Rodrigo Fernando Costa Marques, também do IQ e coordenador do Cempec (Centro de Monitoramento e Pesquisa em Qualidade de Combustíveis), a ideia do projeto surgiu a partir de uma visita da embaixadora da Suécia ao IQ, em 2021. Na ocasião, um representante da comitiva manifestou interesse em importar HVO do Brasil. “Comecei a procurar produtores nacionais e não encontrei nenhum. Aí acendeu uma luz: se há demanda internacional e nós não produzimos, existe uma grande oportunidade para a pesquisa e para o país”, relata Marques.

A partir dessa constatação, uma equipe multidisciplinar foi montada, reunindo pesquisadores experientes em catálise, análise de combustíveis, reatores e motores. Além da professora Sandra e do professor Rodrigo, o projeto conta com os professores Leandro Pierroni Martins e Celso Valentim Santilli, também do IQ, e com o docente Pedro Lacava, do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), responsável pelos testes em motores.

“Vamos trabalhar desde a seleção da biomassa à caracterização do diesel produzido, passando pelo desenvolvimento de catalisadores e pela produção em escala piloto. É um projeto que cobre toda a cadeia do combustível renovável”, explica o professor Leandro, coordenador do GPCat (Grupo de Pesquisa em Catálise).

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Divulgação/Instituto de Química da Unesp

Estrutura dos laboratórios do Cempec e do GPCat serão utilizados para desenvolvimento de catalisadores, definição das biomassas e análise do diesel verde

Como o projeto é estruturado

O projeto está dividido em 4 etapas interligadas, que vão desde a escolha das matérias-primas até os testes em motores reais.

Na 1ª fase, a equipe busca identificar quais fontes de biomassa brasileiras têm maior potencial para a produção do combustível. A ideia é priorizar matérias-primas sustentáveis e que não compitam com a produção de alimentos. Por isso, além de óleos vegetais brutos e óleo de fritura industrial, o grupo avalia também fontes não convencionais, como o óleo extraído de larvas que se alimentam de resíduos orgânicos.

Em paralelo à seleção das biomassas, os pesquisadores trabalham no desenvolvimento dos catalisadores –componentes fundamentais para a reação química que transforma os óleos vegetais em diesel verde. O processo ocorre por hidrogenação: o hidrogênio é incorporado às moléculas orgânicas dos óleos, substituindo o oxigênio e resultando em um combustível mais limpo, estável e eficiente.

Segundo o professor Leandro, os catalisadores serão desenvolvidos com metais como níquel e cobalto, mais baratos que os metais nobres tradicionais, como platina e paládio: “Queremos um catalisador eficiente, durável e acessível”.

Essas reações serão conduzidas inicialmente em escala de bancada, com volumes reduzidos (de miligramas a mililitros), e depois escaladas para reatores maiores. Para isso, o projeto estabelece a aquisição de 2 reatores de alta pressão: um com capacidade de cerca de 1 litro e outro de 50 litros. Esses equipamentos permitirão produzir diesel verde em escala piloto, quantidade suficiente para os testes em motores. “O objetivo é produzir diesel verde em volume suficiente para testes em motores reais, com foco no desempenho e nas emissões”, explica Leandro Martins.

Depois da produção, o diesel verde passa por uma análise que verifica sua qualidade, viscosidade, fluidez, estabilidade térmica, composição química e poder calorífico. A ideia é garantir que o HVO atenda aos critérios estabelecidos pela ANP (Agência Nacional do Petróleo). A última etapa do projeto será realizada no ITA, através do Laboratório de Combustão, Propulsão e Energia, quando finalmente o diesel será testado quanto ao seu desempenho, potência, torque e, principalmente, as emissões de poluentes.

“Esperamos que o HVO reduza o material particulado emitido, o que é uma vantagem tanto ambiental quanto econômica. Motores a diesel exigem sistemas caros de pós-tratamento, como filtros catalíticos. Se o combustível for mais limpo, esses custos diminuem”, diz Lacava. Ele também destaca o potencial do HVO como substituto do biodiesel, que sofre resistência das montadoras por provocar problemas como corrosão e entupimento de filtros.

Outro ponto forte do projeto é a formação de recursos humanos. Alunos de graduação, mestrado e pós-doutorado participarão das diferentes etapas, sendo concedidas bolsas de pesquisa. “A pesquisa avança com gente e precisamos de mentes e mãos engajadas nessa missão”, enfatiza a professora Sandra.

Uma plataforma de pesquisa para o Brasil

Mais do que desenvolver um novo combustível, o projeto visa criar uma plataforma nacional de pesquisa em HVO. Isso inclui conhecimento técnico, infraestrutura compartilhada e metodologias que poderão ser utilizadas por outros grupos no Brasil.

“A Fapesp exige que os equipamentos adquiridos com recursos públicos sejam multiusuários. Nosso objetivo é que os reatores e o know-how desenvolvidos aqui possam servir de base para outras pesquisas em diesel verde”, explica Rodrigo Marques.

A tecnologia, aliás, não se limita ao HVO. A mesma rota de hidrogenação pode, segundo os pesquisadores, produzir outros produtos com alto valor agregado, como a gasolina renovável e o querosene de aviação sustentável, considerado fundamental para a descarbonização do setor aéreo. “O Brasil pode se posicionar estrategicamente nesse mercado, aproveitando sua biodiversidade e capacidade técnica”, afirma Rodrigo.

Para a professora Sandra Pulcinelli, a iniciativa tem o potencial de influenciar diretamente a política energética do país. “Já há sinais de que o governo pretende valorizar o diesel verde. Nossa pesquisa pode embasar regulamentações, contribuir com dados técnicos e mostrar que é possível produzir um combustível limpo, eficiente e economicamente viável”, finaliza.


Com informações da Agência São Paulo.

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