Parlamento Jovem: adolescentes das quebradas contam como é apresentar e votar projetos de lei

A representatividade da juventude na política institucional ainda é baixa. Dados da Justiça Eleitoral de 2024 comprovam que quem tem entre 18 e 24 anos é minoria nas Casas Legislativas do país e entre os filiados em partidos políticos. Mas só por isso é possível dizer que há um desinteresse da juventude pela política? Não exatamente.

Os jovens, sobretudo das quebradas, têm consciência que suas vidas são atravessadas pela política, mas nem sempre se sentem pertencentes aos espaços políticos formais.

“O desinteresse parte de uma frustração de não se ver representado. Como acreditar que vai conseguir fazer a diferença em um espaço onde a gente nunca participou? A periferia usufrui das transformações que o estado é capaz de gerar?”, questiona a gestora pública e mestranda em Ciência Política, Beatriz Mendes Chaves, 26.

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Para tentar reverter o problema, se os jovens não vão às Câmaras Municipais, as Câmaras têm ido até eles por meio de projetos que incentivam a atuação legislativa de adolescentes. No parlamento, eles experimentam a política na prática propondo projetos de lei, participando de plenárias, defendendo pautas e votando projetos.

“Os jovens da periferia levaram mais demandas de políticas públicas, pela sua vivência”, conta a participante Evelyn Figueiredo Nóbrega, 17, de Itaquera, na zona leste. “Alguns projetos mostram que muitos jovens não sabem o que acontecem nas periferias, mas política é para aqueles que mais precisam e vivem em situações de maior necessidade.”

Nas eleições municipais de 2024, apenas oito dos 650 vereadores eleitos nas 39 cidades da Região Metropolitana de São Paulo têm até 24 anos. Nesta faixa etária, apenas uma mulher foi eleita, segundo levantamento da Agência Mural com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral e DivulgaCand.

Debates e propostas

O programa mais antigo de incentivo à atuação legislativa de adolescentes é o Parlamento Jovem da Câmara Municipal de São Paulo, que existe há 20 anos. Nele, estudantes têm a chance de vivenciar a função legislativa por um período determinado e experimentar a rotina de um vereador. A mediação é feita pelas escolas públicas ou privadas.

No último ano, 55 jovens participaram da iniciativa, cada um apresentando e defendendo um projeto de lei. Em março de 2025, o presidente da Câmara, vereador Ricardo Teixeira (UNIÃO), protocolou os projetos para que tramitem efetivamente na Casa.

Evelyn em sessão plenária do Parlamento Jovem @Acervo Pessoal

Entre as propostas estão ações de conscientização nas escolas contra o uso de cigarros eletrônicos, criação de um parque para pets na Vila Alpina, zona leste da capital, construção de um clube escola no distrito do Jardim Helena, também na zona leste, e criação de um Sistema Único de Saúde para os animais domésticos na cidade.

Pelo menos outros 15 municípios da Grande São Paulo desempenham, já desempenharam ou têm leis que permitem projetos parecidos: Arujá, Ferraz de Vasconcelos, Guarulhos, Mogi das Cruzes, Poá, Santa Isabel, Diadema, Embu das Artes, Francisco Morato, Franco da Rocha, Juquitiba, Osasco, Ribeirão Pires, Santa Isabel e São Bernardo do Campo. Desde março de 2025, Santo André discute a implantação do seu Parlamento Jovem.

Além de Câmara Municipais, diversas Assembléias Legislativas também implantam projetos parecidos e até a própria Câmara dos Deputados. Desde 2003, a iniciativa se tornou um projeto nacional.

De repente vereadora 

Um friozinho na barriga para subir ao púlpito. Cinco minutos de fala e um mix de emoções, incluindo, no final, o alívio que “deu tudo certo”. Essa é a descrição entusiasmada de Helena Goes Motta, 14, do Jardim Novo Parelheiros, na zona sul de São Paulo, sobre a participação no projeto Parlamento Jovem.

Ela dividiu a tribuna com Evelyn, que participou da experiência em 2023 e 2024. Nas duas edições, a estudante do ensino médio representou a Escola Estadual Professor Paulo Roberto Faggioni com projetos de lei para fomentar a cultura periférica.

Evelyn em sua diplomação como jovem parlamentar na Câmara de São Paulo @Acervo Pessoal

“[No primeiro ano] queria promover um festival de cultura na zona leste que teria artistas diferenciados da música, teatro e pinturas. [Em 2024] enviei um projeto que visa promover revitalização [de áreas públicas] com grafite nas periferias. Eu creio muito que isso pode trazer identidade para nossos locais”, conta.

No eixo social, Helena, estudante de ensino fundamental, defendeu a criação do Junho Colorido, um mês dedicado à luta contra a homofobia nas escolas. Ela destaca que a pauta é importante para ela, por já ter presenciado discriminação contra colegas.

“Seria uma programação obrigatória no plano de aula dos professores, como já acontece com agosto indígena e novembro negro. [A ideia é] desmistificar preconceitos e estigmas impostos pela sociedade, para que os estudantes sejam educados para pensar de forma respeitosa e não replicarem preconceitos durante toda a vida”, argumenta.

Helena discute propostas no Parlamento Jovem de São Paulo @Acervo Pessoal

A repercussão foi tão grande que o Junho Colorido foi implantado na escola em que estuda, o CEU EMEF Manoel Vieira de Queiroz Filho, em Parelheiros, zona sul de São Paulo. Além disso, Helena foi convidada para apresentar a ideia em outros colégios.

Com o avanço da pauta, ela já tem um desejo pro futuro: seguir carreira pública ou na política, talvez se filiando a um partido. “Eu recomendo [o Parlamento Jovem], é muito empoderador”.

A importância dos jovens na política

“Pensei: ‘meu Deus, eu entrei na Câmara Municipal de São Paulo!’ Quando na vida que eu ia imaginar entrar nesse lugar?”, brinca Evelyn, sobre a surpresa de ter ingressado no Parlamento Jovem, junto com uma maioria de estudantes de escolas públicas das periferias da capital paulista.

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O projeto também abre espaço para escolas de bairros nobres, regiões centrais e colégios particulares.

Segundo a gestora pública Beatriz Chaves, as juventudes organizadas são essenciais na política, sobretudo as das quebradas. Isso porque movimentos sociais e organizações periféricas têm o papel de cobrar o Estado e não deixar que o desenho das políticas e do orçamento seja aprovado só por gestores de regiões mais elitizadas da cidade.

“O jovem periférico traz consigo uma perspectiva social única e valiosa para os processos políticos”. 

Beatriz Chaves, gestora pública

Como engajar os jovens?

Beatriz reforça que o Parlamento Jovem é uma iniciativa positiva por proporcionar uma experiência legislativa para a juventude, porém não é suficiente para engajar os jovens na política, principalmente nas quebradas.

Isso porque é lá que as juventudes se deparam com lacunas da formação política, falta de representatividade e crença de que espaços políticos não são positivos.

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“Existe uma necessidade formativa de conteúdos relacionados à política institucional na educação básica, ensinando qual a função de um vereador, de um deputado, de um prefeito”.

A responsabilidade é de todos, incluindo escolas, famílias e, em especial, do poder público, que deve garantir a participação política de todos os grupos sociais.

Confira dicas para engajar os jovens na política

1

Incorporar educação política na grade curricular das escolas, envolvendo famílias

2

Garantir espaços de formação política contínua no território

3

Implantar iniciativas que tornem mais acessível a linguagem da política institucional, usando jogos e redes sociais, por exemplo

4

Criar oportunidades de trabalho para jovens dentro das Câmaras Municipais, como menores aprendizes e estagiários

5

Garantir a participação popular de jovens nas decisões sobre o local onde vive

Agência Mural

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