Judicialização e evasão podem impedir compensação do novo IR, diz IFI

Alguns fatores podem colocar em xeque a compensação da reforma da renda. Os principais problemas são a judicialização por parte dos mais ricos, a evasão de capitais e o planejamento para a prática da chamada elisão fiscal. Essa é a análise de Marcus Pestana, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente), em entrevista ao Poder360.

O governo quer aumentar a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 mensais. A Receita Federal estima que a medida trará uma perda de R$ 26 bilhões. A compensação planejada virá por meio de um imposto adicional para parte da população com renda superior a R$ 50 mil ao mês.

O problema, segundo Pestana, é que esse público pode entrar na Justiça afirmando que foi “bitributado” –quando ocorre a incidência dupla de impostos. Isso poderia ser observado no caso das pessoas físicas que também teriam que pagar dividendos como pessoas jurídicas, por exemplo.

Outro ponto é a possibilidade de os mais ricos deslocarem os bens que deveriam ser tributados pela nova reforma para evitar o pagamento. “Os mais ricos têm mobilidade. Eles vão deixar o dinheiro parado ou vão arrumar outras formas, inclusive fora do Brasil, para evitar a tributação?”, questionou o especialista.

Ele ainda disse que o governo deveria pensar em mecanismos para evitar a elisão fiscal –quando brechas na legislação permitem o não pagamento de impostos.

“Elisão é achar brechas na legislação para pagar menos imposto por meio do que é chamado de planejamento tributário. Tem bons consultores, bons advogados tributaristas”, declarou.

O plano da Receita Federal é arrecadar R$ 25 bilhões com a tributação adicional. Pestana avaliou que esses números são críveis do ponto de vista técnico, mas as variáveis que mencionou podem prejudicar a execução, na prática.

“A Receita Federal é competente. Ela sabe cobrar impostos e conhece, tem o raio-X do sistema tributário brasileiro […]  As verdadeiras interrogações são: o Congresso vai aprovar as compensações? Haverá judicialização com alegação de bitributação a pessoa jurídica e do dividendo da pessoa física? Haverá evasão de poupança da classe média alta, dos ricos?

Assista à entrevista (57min42s):

A PERDA DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS

A reforma causará perda financeira para os entes. Como mostrou o Poder360, um dispositivo da Constituição determina que todo o Imposto de Renda retido na fonte sobre os salários de funcionários públicos de cidades e Estados deve ficar com os cofres de prefeitos e governadores.

O impacto potencial total é de R$ 25 bilhões. A CNM (Confederação Nacional dos Municípios) fala em uma perda de R$ 12 bilhões só nas cidades. Com histórico de projeções subestinadas, a Receita Federal considera que o valor é inferior a R$ 5 bilhões.

Pestana disse ser difícil estimar com precisão qual seria o valor mais próximo da realidade. Segundo ele, o cálculo é “extremamente complexo”.

De toda forma, ele concorda que esse é um ponto quente durante as negociações no Congresso. Se o governo federal tiver que compensar as perdas observadas, terá um gasto a mais em suas costas. Assim, precisará também pensar em formas de suprir essa perda de arrecadação.

“Não é uma conta trivial de se fazer. Mas certamente o Congresso Nacional, os deputados e senadores, vão tratar desse assunto. Aí é mais um problema, é mais uma compensação. De onde vai sair esse dinheiro?”, declarou o diretor-executivo da IFI.

DESTAQUES DA ENTREVISTA

Leia abaixo outros temas abordados na entrevista com Marcus Pestana:

  • resultado primário de 2025 “Mesmo descontando os precatórios, a IFI enxerga uma perspectiva de um déficit primário em torno de R$ 20 bilhões”;

  • controle da inflação e economia aquecida “Enquanto o Banco Central pisa no freio, o governo acelera com medidas como o consignado para o trabalhador privado, como o Imposto de Renda – que vai aumentar o consumo”;

  • cortes de gastos“Não haverá nenhuma medida heroica, nenhuma grande proposta. Tanto que a grande medida de maior envergadura este ano é a do Imposto de Renda. Não tem foco no ajuste fiscal, tem foco em justiça tributária”;

  • o ideal para as contas públicas“Para estabilizar a relação dívida/PIB [Produto Interno Bruto], precisamos de um superávit de 2,5% do PIB, que seria R$ 310 bilhões”.

A REFORMA DO IMPOSTO DE RENDA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enviou ao Congresso em 18 de março o projeto de lei sobre a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5.000 por mês. A nova regra só vale depois que passar pela aprovação dos deputados e senadores, que podem mudar o texto.

Na prática, o presidente quer ampliar o número de pessoas que, legalmente, não pagam depois de declarar os dados à Receita Federal. Para compensar a perda de arrecadação, o plano é colocar um tributo adicional que funciona de forma gradativa de quem ganha a partir de R$ 600 mil ao ano.

Leia no infográfico um resumo das principais mudanças que o governo busca emplacar:

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