Reforma do IR tem texto ‘inacreditavelmente ruim’ e falta progressividade, diz Everardo Maciel

Everardo Maciel esteve por oito anos à frente da Receita Federal, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Geólogo de formação, o hoje especialista tributário é categórico nas críticas ao projeto de lei (PL) de reforma do imposto de renda proposto pelo governo Lula na semana passada.

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Para Maciel, o projeto é mal escrito, o impacto arrecadatório não é neutro – conforme alega o governo-, o teto da isenção está sem critério e a medida de compensação, de maior tributação na ponta mais rica, deve impactar o mais o planejamento tributário desse grupo que a arrecadação.

“Alguns colegas meus tributaristas dizem que é o pior projeto já escrito dessa matéria.  Se eu não concordar integralmente, digo pelo menos que é um dos piores. Há redações que são inacreditavelmente ruins. Feita como se fosse uma coisa primária, rudimentar, de quem não está acostumado a escrever um projeto de lei, não acredito, por conhecer a casa, que isso tenha saído da Receita Federal. A Receita federal não escreveria dessa forma”

Entre as “redações ruins”, Everardo aponta o trecho que diz “Fica designada a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda como órgão gestor responsável pelo acompanhamento e pela avaliação do benefício tributário de que trata o caput quanto à consecução das metas e dos objetivos estabelecidos” (Artigo 1 parágrafo 3). Isso porque, diz ele, não se trata de um “benefício”.

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“Se é benefício tributário, por que não está na lei de benefício na relação demonstrativa de benefício fiscais que obrigatoriamente acompanha a lei tributária? Vai acompanhar para verificar a concepção de objetivos de meta? Mas quais são os objetivos de meta? Isso tinha algum objetivo, tinha alguma meta? Se tinha, onde é que tá escrito isso?”

Pela proposta, trabalhadores com renda até R$ 5 mil ficam isentos de pagar IR, entre R5 mil e R$ 7 mil terão redução na alíquota do imposto e, para, aqueles que ganham acima de R$ 50 mil e de R$ 60 mil por mês, que até então estão isentos, passarão a ser tributados, como dividendos.

A ideia é que o projeto seja aprovado pelo Congresso ainda este ano, para já estar valendo na declaração anual de 2026.

Isenções x novas tributações

Outro apontamento de Maciel é em relação ao teto de isenção, de R$ 5 mil, que vai reduzir o número de contribuintes. Segundo cálculos do governo, serão mais de 10 milhões de contribuintes que ficarão isentos de imposto de renda, caso o projeto seja aprovado como proposto.

“E todo projeto de lei, sobre qualquer matéria, inclusive essa, ele tem que ter uma motivação. Então, se faz um aumento do limite de isenção para R$ 5 mil mensais. Muito bem, por que R$ 5 mil? Estou começando a explorar a motivação. Promessa de campanha? Alguém tem um voto no atual presidente porque ele falou isso? A motivação política é muito ruim. Muito ruim quando eu tenho soluções tributárias cuja motivação seja de natureza política”

Sobre a parte do projeto que prevê a compensação da maior parcela de isenção com cobrança de imposto sobre rendimentos hoje isentos, e acima de R$ 50 mil por mês, Maciel também vê problemas.

Primeiro porque ele aponta que a redação leva a entender que está sendo criado um novo imposto. “Fala ‘imposto de renda das pessoas físicas mínimo’. Quer dizer, talvez, seja ‘o mínimo do imposto de renda das pessoas físicas’, não é? É uma construção gramatical, completamente diferente dessa, mas toma como base de cálculo o imposto de renda das pessoas físicas. Portanto, tudo concorre para que se possa compreender como se fosse um imposto novo. Então, acredito que existem outros servidores, outras autoridades que escreveram isso sem experiência na redação de um projeto”.

Progressividade

Para Maciel, a diferenciação de imposto de renda entre ricos e pobres deve ser feita pela progressividade e não pelo limite de isenção.

Mas, o projeto, visto por ele como “eleitoreiro” e “populista”, está em linha com propostas que envolvam concessão de benesses que, historicamente, são facilmente aprovadas no legislativo. “Se o executivo mandar qualquer proposta que envolva a concessão de um benesse de qualquer natureza, passa. Porque não existe comprometimento, nem com a racionalidade, nem com o equilíbrio fiscal.

Maciel também questiona a falta de critério na definição dos R$ 50 mil como o ponto de partida para a tributação de rendas hoje isentas. ” Não tem explicação nenhuma. A explicação a única que eu acho possível, simplesmente pelo seguinte, porque 50 é 10 x 5. Essa é a única explicação que eu consigo entender, portanto, por uma razão pífia”.

A neutralidade fiscal alegada pelo governo, ou seja, que a maior isenção será compensada pela tributação das rendas mais altas, é outro ponto que Everardo Maciel destaca.

“Quando nós falamos neutralidade, tem o pressuposto de que as contas estejam certas. Eu não estou seguro. Não existe nenhuma solução em matéria tributária que não tenha desvantagens. Não existe. Outra coisa, comparar tributação aplicada aos rendimento do trabalho, e ao capital, é uma coisa completamente sem sentido. Você está comparando coisas completamente distintas. Não tem cabimento”

O ex-secretário diz que sente uma “enorme improvisação” no projeto, que parece estar focado”em cumprir uma promessa de campanha”. Uma saída, diz ele, teria sido abrir um debate sobre o tema, especialmente sobre as alíquotas progressivas.

“Se alguém disser, ‘acho que a grade de alíquotas do imposto de renda poderia ser mais progressiva’. Sim, isso é um debate. Isso é um debate sistemático. Não tem nenhuma discussão mais aprofundada”.

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