Sonhos que continuam vivos

Adolfo Duarte, o Ferruge, tornou-se uma figura emblemática no Grajaú, extremo sul de São Paulo. Seu nome ainda ecoa nas margens da Represa Billings, onde sonhou, lutou e viveu. Dois anos após sua morte, o legado do ativista continua pulsando nas ações sociais da região e nas novas gerações que ocupam as águas da represa.

Assassinado em 1º de agosto de 2022, aos 42 anos, em um crime motivado por ciúme, Ferruge enxergava na Billings uma oportunidade de transformação social para o território. Hoje, muitas das ações de ocupação sustentável da represa e o uso comunitário do espaço têm ligação direta com suas ideias e iniciativas — muitas das quais se consolidaram após sua partida.

Ferruge deixou legado de luta, lazer e preservação ambiental @Reprodução/ Instagram

“Minha relação com a represa é emocional, assim como foi a minha relação com o Ferruge. A Billings sempre esteve presente na nossa convivência”, conta Uiara de Souza Dias, 42, ex-companheira do ativista e atual diretora da ONG Meninos da Billings, criada por ele em 2014.

A aproximação de Ferruge com a Billings ocorreu em um momento de profunda dor: a morte do filho Miguel, aos 9 anos, vítima de câncer. Foi na canoagem que encontrou um escape emocional, mas logo pensou: por que outras pessoas do bairro também não usam a represa como lazer?

“Ele trouxe a possibilidade de lazer para a comunidade. Muita gente daqui nunca tinha colocado os pés na represa. Ele possibilitou isso e resgatou a identidade cultural dos que moram nas margens.”

Uiara, ativista ambiental

Além de educador, ativista social e marinheiro, Ferruge também foi fotógrafo, DJ, guia turístico e coordenador de um CEU (Centro Educacional Unificado). Em suas muitas funções, se destacou como articulador de movimentos sociais, cobrando das autoridades ações concretas para o cuidado com o esgoto, o lixo e a ocupação irregular da região.

Uiara, ex-companheira de Ferruge, segue com o trabalho da ONG Meninos da Billings @Léu Britto/ Agência Mural

Sonhos que continuam vivos

A ONG fundada por Ferruge começou com ações de vivências náuticas na represa, com caiaques, remos e coletes salva-vidas adquiridos por ele com o apoio de colaboradores. O projeto logo se expandiu para mutirões de limpeza nas margens da represa, envolvendo estudantes de escolas da região.

As garrafas PET recolhidas durante essas ações foram transformadas em lixeiras, que agora estão espalhadas por praças e parques do Lago Azul, Prainha, Cantinho do Céu, Jardim Gaivotas, além de casas e comércios do extremo sul de São Paulo.

“O sonho do Ferruge era ver a comunidade engajada com as melhorias do próprio bairro. Ele fazia tudo pra todo mundo.”

Uiara, ativista ambiental

Além de promover a ocupação das águas, o projeto também criou um viveiro de mudas nativas e ornamentais, na sua sede, no bairro Lago Azul. Essas plantas são utilizadas em reflorestamento urbano e ajudam a sensibilizar os moradores sobre a importância da vegetação nativa.

José William da Silva, parceiro de Ferruge, defende que turismo comunitário pode gerar renda para Grajaú @Léu Britto/ Agência Mural

Para José William da Silva, 40, jardineiro e parceiro de Ferruge, o Grajaú tem potencial para ser referência em turismo de base comunitária — e a represa é peça-chave nesse processo.

“O Grajaú é um dos bairros mais populosos da cidade e não precisa carregar esse estigma de ‘bairro-dormitório’. Temos cultura, saberes e potência. Projetos de lazer e turismo podem mudar muita coisa. E isso é nosso direito”, conta.

Sonhos que continuam vivos

Dois anos após sua morte, o nome de Ferruge ainda é referência entre os jovens do Meninos da Billings. O projeto agora aposta na formação de novos “comandantes”, que possam navegar não só pelas águas da represa, mas também pelos desafios sociais do território.

Projeto de Ferruge transformava garrafas pet em lixeiras @Reprodução/Instagram

“Muitas pessoas ainda não conhecem a Billings. Algumas moram aqui e têm medo de entrar na água. Sonho que, no futuro, a represa seja um ponto turístico conhecido. Ter isso no quintal de casa é um privilégio”, revela Uiara.

O legado de Ferruge não se resume a lixeiras, caiaques ou árvores plantadas. Está, principalmente, na ideia de que é possível sonhar e realizar de forma coletiva, e que as periferias devem ser protagonistas na preservação ambiental, no lazer e no turismo.

Agência Mural

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