Prefeito de Ananindeua parte para ataques verbais e esquece crise na saúde

O prefeito de Ananindeua, Daniel Barbosa Santos, parece estar em pânico. Tanto que resolveu usar as redes sociais para agredir verbalmente o Procurador Geral de Justiça (PGJ), César Bechara Mattar Junior, que comanda o Ministério Público do Pará (MPPA), e o governador Helder Barbalho. Tudo porque Mattar ajuizou um pedido para que o Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) determine que o governador decrete intervenção na saúde pública de Ananindeua. Que, segundo Mattar, passa por uma crise “sem precedentes”, com prejuízos à população local e de outros municípios da Região Metropolitana, em clara violação do direito constitucional à saúde. E, também, com indícios de favorecimento ao Hospital Santa Maria, que pertenceu ao prefeito. É que os constantes calotes de Daniel Santos estão levando ao fechamento e ameaça de fechamento de clínicas e hospitais da cidade, que atendem os pacientes do Serviço Único de Saúde (SUS). E aí, a prefeitura manda esses pacientes para o Santa Maria, que abocanha cada vez mais dinheiro do SUS, diz o PGJ.No entanto, é possível que o pânico do prefeito seja causado, principalmente, pelos rumos que essa denúncia tomou no TJPA. Ao receber o pedido de Mattar (uma “Representação Interventiva”), o presidente do TJPA, desembargador Roberto Gonçalves de Moura, poderia tê-lo arquivado, caso fosse “manifestamente infundado”, ou seja, claramente sem razão. Mas, em vez disso, Moura optou pela outra alternativa prevista no Regimento Interno do tribunal: mandou o processo seguir adiante, por entender “não se tratar de hipótese de arquivamento, uma vez que há elementos suficientes para o prosseguimento da demanda”. Assim, a Representação Interventiva foi distribuída, por sorteio, a um “relator”, um desembargador que ficou responsável pelo caso. Ele já requisitou informações aos supostos responsáveis pelas irregularidades. Mas o DIÁRIO não conseguiu saber, junto ao TJPA, se entre eles está o prefeito Daniel Santos, além das secretarias municipais de Saúde e de Planejamento (Sesau e Sepof).No site do tribunal, a movimentação do processo (de número 0803072-24.2025.8.14.0000) indica que há mandados com requisição de informações que não foram entregues aos destinatários, que, provavelmente, não foram localizados.Conteúdos relacionados:Hospital que foi do prefeito Daniel já recebeu R$ 92 milhões da PrefeituraDaniel Santos deu calote milionário mesmo recebendo quase R$ 1 bi do SUSImprensa nacional repercute transações suspeitas de prefeito de AnanindeuaMas nem isso deverá prejudicar o andamento desse processo, que deverá ser rápido, segundo o Regimento Interno. Uma vez recebidas essas informações, ou esgotado o prazo de 15 dias para que sejam fornecidas, o caso seguirá para nova manifestação do PGJ. Aí, será elaborado um relatório, com cópias para todos os desembargadores, e o julgamento do pedido ocorrerá na sessão seguinte do tribunal. O julgamento será pelo “Pleno”, o conjunto dos desembargadores, e será público, a não ser que eles resolvam em contrário.Assim, é bem possível que esse julgamento ocorra na segunda semana de maio, já contabilizados os finais de semana e o feriadão da Páscoa. Será um acontecimento raras vezes visto em municípios das regiões metropolitanas do País. Haverá até espaço (de 15 a 20 minutos) para as falas do MPPA e dos procuradores dos órgãos supostamente responsáveis pelas irregularidades.Se o Pleno decidir pela intervenção, o presidente do TJPA comunicará o fato ao governador, para que ele expeça o decreto nesse sentido. Mas não acaba aí: durante o julgamento, o Pleno também decidirá se encaminha o caso ao MPPA, para eventual abertura de processo penal, se existirem indícios de crimes. De qualquer maneira (seja com o julgamento público ou com a intervenção ou com o processo criminal) a caixa preta que é o sistema de saúde de Ananindeua será escancarada à população.Quer saber mais notícias do Pará? Acesse nosso canal no WhatsappÉ, provavelmente, a impossibilidade de frear a máquina da Justiça que está deixando o prefeito Daniel Santos com os nervos à flor da pele. Nas redes sociais, ele chegou a dizer que o PGJ César Mattar teve “a cara de pau” de pedir intervenção na saúde de Ananindeua, que, segundo o prefeito, é claro, é umas melhores do Brasil. Também acusou Helder Barbalho de ser “um ditador”, insinuando que o governador tem poderes de mando sobre o MPPA e o Judiciário. Mas, em momento algum, explicou o porquê dos calotes que aplica nas clínicas e hospitais da cidade. Ou o porquê de esses calotes beneficiarem o Santa Maria (que foi ou ainda é dele), com o encaminhamento cada vez maior de pacientes, pela Prefeitura, para aquele hospital.“FÓRMULA”No fundo, o prefeito apenas recicla a “fórmula” que os paraenses cansaram de ver durante a administração do ex-governador Simão Jatene. Na época, tudo o que de ruim acontecia no estado era culpa do senador Jader Barbalho. Agora, tudo é culpa de Helder Barbalho. E do MPPA, e do TJPA, e do DIÁRIO, e da RBA e de todas as forças, reais ou imaginárias, na face da Terra. Mas nunca, jamais, dele, Daniel Santos. Sejam as montanhas de lixo que se acumulam em Ananindeua, sejam as ruas cheias de mato e lama e sem saneamento; sejam as unidades de saúde e as escolas caindo aos pedaços, tudo é culpa dos outros. Já os calotes que aplica nas empresas que recolhem o lixo e nas clínicas e hospitais da cidade, ele simplesmente diz que são invenções de seus “inimigos”, o que é desmentido até pelo próprio portal municipal da Transparência.

Calote fez única maternidade 24 horas fechar as portasNa verdade, o pedido do PGJ já veio tarde. O Anita Gerosa, única maternidade 24 Horas e que atendia gravidez de alto risco em Ananindeua, fechou as portas, no último 26 de janeiro, devido a um calote deR$ 3,7 milhões da Prefeitura. Ao longo de seus 60 anos de existência, aquele hospital enfrentou muitas dificuldades, já que era um estabelecimento sem fins lucrativos. Mas não conseguiu resistir aos constantes atrasos de pagamento pela Prefeitura. E agora, apesar do prefeito ter anunciado que o Pronto Socorro Municipal passaria a atender todas as pacientes que eram do Anita Gerosa, a verdade é que elas estão sendo encaminhadas para o Santa Maria. Até vídeo de um parto que teria ocorrido no Pronto Socorro, a prefeitura fez, para garantir à população que o atendimento não seria prejudicado. No entanto, o MPPA não conseguiu localizar nem registro de médicos obstetras no Pronto Socorro, pelo Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). E nem mesmo berços junto aos leitos das grávidas que seriam atendidas pelo Pronto Socorro.Na vistoria que o MPPA realizou no Pronto Socorro, em 14 de fevereiro, a diretora administrativa e a gerente de Obstetrícia do estabelecimento informaram que a orientação da Sesau era para que essas gestantes, oriundas do Anita Gerosa, fossem encaminhadas ao Santa Maria e que apenas fossem atendidas no pronto socorro aquelas que já estavam em trabalho de parto. Também durante a vistoria, o MPPA observou que não havia “uma única mulher sendo atendida” naquele local. Já na Santa Casa, em Belém, na mesma data, havia “intensa procura”. Pois é: com o fechamento do Anita Gerosa, gestantes de Ananindeua passaram também a procurar atendimento na capital, agravando a superlotação da Santa Casa e aumentando o risco de morte, de mamães e bebês, de ambos os municípios.Destino idêntico ao Anita Gerosa pode ter o Centro de Hemodiálise Ari Gonçalves (CEHMO), que atende pacientes renais crônicos de Ananindeua. Em depoimento dramático ao MPPA, no último 5 de fevereiro, a diretora do estabelecimento falou sobre a encruzilhada em que se encontra: não pode fechar as portas, porque os doentes morrerão, se ficarem sem hemodiálise. Mas as dívidas da Prefeitura com a clínica, desde 2023, já ultrapassavamR$ 3,6 milhões, obrigando-a a uma sucessão de empréstimos, para quitar despesas. Quem também quase faliu foi o Hospital das Clínicas de Ananindeua (HCA). Que chegou a anunciar, no ano passado, que encerraria o atendimento aos pacientes do SUS, devido aos constantes atrasos de pagamento pela Prefeitura. Um encerramento só não ocorreu porque o Governo do Estado firmou contrato com o HCA, para que ele continuasse a atender esses pacientes. Mas a dívida permaneceu e hoje estaria em mais de R$ 5,751 milhões.DinheiroO que mais chama atenção, porém, como mostrou o DIÁRIO, no domingo passado, é que o SUS repassou à Prefeitura de Ananindeua, entre 2021 e 2024, quase 1 bilhão de reais, mais da metade para o pagamento de serviços hospitalares e ambulatoriais. O dinheiro foi repassado mês a mês, sem qualquer interrupção. E mesmo assim, Daniel Santos passou boa parte desse tempo aplicando calotes em hospitais e clínicas da cidade. Segundo o InvestSUS, o serviço online que permite consultar todos os repasses financeiros do SUS aos estados e municípios, a Prefeitura de Ananindeua recebeu, entre 2021 e 2024, cerca de R$ 960 milhões “líquidos”. O grosso desse dinheiro foi para o custeio das ações e serviços públicos de saúde (R$ 952,9 milhões). E desse total, quase R$ 534 milhões deveriam ser destinados ao pagamento dos serviços de “média e alta complexidade”. Ou seja: atendimentos hospitalares e ambulatoriais.

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