STF forma maioria para validar punição a empresas por trabalho escravo

O STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria nesta 4ª feira (19.mar.2025) para validar a lei que pune empresas por exploração de mão de obra análoga à escravidão. O decano da Corte, ministro Gilmar Mendes, no entanto, pediu vista (mais tempo), adiando a conclusão da análise da Lei 14.946 de 2013, do Estado de São Paulo.

Durante o julgamento, a maioria dos ministros entendeu que compete aos Estados penalizar as empresas, desde que tenha sido comprovado previamente que o estabelecimento comercial sabia ou tinha como saber do regime de trabalho ilícito (entenda abaixo).

Eles seguiram o voto do relator, ministro Nunes Marques. Eis o placar de 9 x 1:

  • para validar a lei: Nunes Marques, Luís Roberto Barroso (presidente), Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux e Cármen Lúcia; e
  • contra a lei: Dias Toffoli.

A ação foi proposta pela CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) contra os artigos 1 ao 4º da lei, sancionada pelo então governador de São Paulo e atual vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), em combate ao trabalho análogo à escravidão.

Para a confederação que acionou a Corte, a lei determinava a responsabilização de estabelecimentos comerciais por atos criminosos praticados por terceiros, e não por eles próprios. 

Também reclamam do fato de a lei “invadir a competência da União” ao delegar à Secretaria de Fazenda a função de dispor sobre o processo administrativo para a cassação da inscrição no cadastro.

ENTENDIMENTO DOS MINISTROS

Os ministros julgaram improcedente a ação, mas decidiram dar interpretação conforme à Constituição Federal para que a punição estabelecida pela lei seja precedida de uma fiscalização federal. 

A punição em questão diz que qualquer empresa que faça uso “direto ou indireto” de trabalho escravo ou em condições análogas à escravidão tenham suas inscrições no cadastro de contribuinte do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços) cassadas. 

Em seu artigo 1, a lei diz que punirá os estabelecimentos que comercializarem produtos em que, durante a fabricação, tenha havido, em qualquer uma das etapas de industrialização, condutas que configurem a condição análoga a de escravo.

Em relação ao argumento da responsabilização de empresas por atos de terceiros, os ministros votaram para ajustar os textos dos dispositivos 1 ao 4º da lei para que a punição venha posteriormente de um procedimento fiscalizatório federal para identificar as empresas. 

O procedimento deve demonstrar “dolo ou culpa” do estabelecimento ao comprovar ciência ou condição de suspeitar” do uso de trabalho escravo na cadeia de produção dos produtos adquiridos. Também deve assegurar o “contraditório e a ampla defesa”.

Os ministros ainda entenderam que as unidades federativas têm competência para exercer o poder de polícia ao fiscalizar o âmbito tributário.

Para Alexandre de Moraes, São Paulo legislou sob os limites das suas competências e visando “um bem maior” para coibir o trabalho escravo. Barroso defendeu ainda ser competência “comum” zelar pela guarda da Constituição. Por isso, a lei é constitucional.

CONDIÇÕES PARA A ATUAÇÃO DA FAZENDA

Barroso destacou em seu voto que o poder de fiscalizar o trabalho escravo é, sim, competente à União, como alegou a confederação, mas que “uma vez identificada a conduta ilícita pelos órgãos federais competentes, o processo administrativo estadual se destina a punir as empresas, já identificadas na fiscalização federal”

Ou seja, se o órgão federal, na sua inspeção, identificar o trabalho escravo, então, o Estado poderá instaurar o procedimento administrativo, regulado pela Secretaria de Fazenda, para uma punição contra as empresas. No caso, a cassação da inscrição no cadastro de contribuinte do ICMS

REALIDADE ALARMANTE

Durante a sessão, o presidente da Corte disse que o trabalho escravo ainda é “realidade alarmante” no país. 

Destacou dados do Ministério do Trabalho e do Emprego que informam que, só em 2024, mais de 2.000 trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão. São Paulo registrou o resgate de 467 trabalhadores naquele ano, ficando atrás só de Minas Gerais. 

Barroso defendeu que a lei representou um marco fundamental no combate ao trabalho escravo contemporâneo em São Paulo e adotou uma “abordagem inovadora”. Disse que foi replicada em Estados como Mato Grosso do Sul, Paraíba, Bahia, Amazonas e Goiás.

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