Mulheres em busca de seu lugar na indústria masculina dos jogos eletrônicos

Cinco anos depois dos primeiros escândalos de assédio que sacudiram a indústria dos jogos eletrônicos, uma dezena de funcionárias contaram à AFP os atos sexistas que viram e sofreram, e expressam sua preocupação por um retrocesso devido à crise econômica.

“Vivi situações de assédio, falta de respeito, fui menosprezada e inclusive ignorada”, relata Elaine Gomez, de 34 anos, uma criadora de jogos independente de Nova Jersey (Estados Unidos).

Diversas funcionárias revelaram nos últimos anos terem sofrido comportamentos sexistas no trabalho, em virtude dos casos que atingiram gigantes do setor como a francês Ubisoft (“Assassin’s Creed”) e a americana Activision Blizzard (“Call of Duty”).

Na França, três ex-altos executivos da Ubisoft serão julgados por assédio sexual e moral em junho.

Dois foram despedidos por faltas graves, enquanto Serge Hascoët, diretor criativo e número 2 do grupo, renunciou.

Desde então, “foram realizadas mudanças significativas” para gerir os “comportamentos inadequados”, indicou a Ubisoft à AFP, especialmente mediante “à criação de uma equipe especializada em relações com os empregados”.

Contatada acerca das medidas adaptadas, a Activision Blizzard não respondeu de imediato.

No setor, surgem ideias de luta contra o sexismo: plataformas de alerta anônimo, treinamento de diretores e programas que fomentam a diversidade nas equipes…

“Fazemos todo o possível para desenvolver ao máximo todos os sistemas de prevenção”, assegurou a presidente do Sindicato Francês do Videogame (SNJV), Anne Dévouassoux, durante uma mesa redonda com deputados franceses na quarta-feira.

“A ideia é prevenir, porque em tudo relacionado a atos sexistas ainda há trabalho a ser feito na prevenção e na conscientização”, acrescenta uma gerente de assédio de um grande estúdio francês, que preferiu manter o anonimato.

– “A ponta do iceberg” –

A responsável afirma que foi solicitada somente “4 ou 5 vezes” em um ano, exclusivamente por atos sexistas, mas estima que “isso é a ponta do iceberg muito maior”, já que muitas mulheres não se atrevem a se manifestar, em um setor que segue sendo predominantemente masculino.

O setor emprega mais de 110.000 pessoas na Europa, 105.000 nos Estados Unidos e 35.000 no Canadá, segundo a Federação Europeia de Desenvolvedores de Videogames e as associações americana e canadense de software de entretenimento.

As mulheres representam 25% do pessoal dos estúdios, segundo números da associação Women in Games, enquanto em 2023 representava quase a metade dos jogadores no mundo, de acordo com a consultoria especializada Newzoo.

“Houve melhoras”, diz Morgane Falaize, presidente da Women in Games na França, já que as mulheres eram apenas 15% em 2018 frente a 24% no mercado francês.

Mas esses números escondem uma grande disparidade: no entanto, a paridade foi praticamente alcançada em marketing e comunicação, as mulheres representam menos de 10% dos trabalhos denominados técnicos (conceito, programação etc).

Além disso, ocupam apenas 20% dos postos de direção em 2022.

“Não é que não queiramos contratar mulher, é que não há candidatas”, lamenta Marianne Barousse, que dirige uma equipe de 200 pessoas na Gameloft (especialista em jogos para celular) em Montreal.

Na quarta-feira, a presidente do SNJV reconheceu que ainda há “muito esforço a ser feito”, embora tenha destacado que na França os recursos humanos se destinem a impulsionar as mulheres “a assumir responsabilidades”.

“Eu mesma fui vítima de sexismo por parte de um funcionário que tinha problemas em receber ordens de uma mulher”, acrescenta Emma Delage, de 35 anos, diretora do estúdio independente Camelia em Montpellier, que indica aplicar “tolerância zero” ante esses comportamentos.

Enquanto buscava investidores, “me disseram que o que fazia era comparável à prostituição”.

“Não estou segura de que outros homens que conseguiram financiamento tenham recebido esse tipo de comentários”, lamenta-se.

O acesso ao financiamento se torna mais complicado: “nos levam menos a sério que um homem”, lamenta Marie Marquet, cofundadora do estúdio francês Splashteam, que regularmente observa que se dirigem mais facilmente ao seu sócio.

“Os investidores duvidam em colocar dinheiro em empresas dirigidas por mulheres”, acrescenta Tanya X Short, diretora do estúdio independente Kitfoc Games em Montreal.

Esse bastião dos videogames também foi o epicentro do choque que afetou a Ubisoft no verão de 2020, quando empregados do estúdio em Montreal descreveram um “clima de terror”, comportamentos sexistas e discriminação.

“Ainda há pessoas na indústria que têm dificuldades para fazer a transição e isso se nota”, comenta Marie Marquet, que vê um pouco de esperança “graças às novas gerações”.

Após um período de euforia relacionado aos confinamentos, os avanços recentes podem ser destruídos pela crise que a indústria atravessa há dois anos.

“Quase não há ofertas de emprego”, preocupa-se uma empregada de um estúdio parisiense sob condição de anonimato, “portanto se eu falar demais e isso me prejudicar, não terei nada depois”.

“As mulheres estão sub-representadas nos trabalhos de menor hierarquia” e, portanto, estão mais expostas em caso de demissões, recorda Thomas Rodriguez, um dos porta-vozes do STJV.

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