É o fim do Eataly no Brasil? Entenda a derrocada do centro gastronômico de luxo

Não tem mais Eataly no Brasil. Pelo menos, não mais a marca. O local em São Paulo segue operando normalmente com seu empório e estrutura gastronômica de restaurantes, café e padaria. Mas sem poder exibir a marca italiana que tem 40 unidades espalhadas em mais de uma dezena de países pelo mundo, entre Ásia, Oriente Médio, Europa e Américas.

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Na última semana, a franqueada perdeu o direito de uso da marca em um processo arbitrário iniciado pela franqueadora italiana. O caso corre em segredo judicial e a empresa não quis dar mais detalhes, declarando apenas que a perda da marca “não é definitiva”. Enquanto isso, o imponente prédio envidraçado segue como um “anônimo” famoso.

A perda do nome foi mais um episódio envolvendo a franquia no Brasil. A empresa – que tem 10 anos de história no país – está em seu terceiro grupo de gestores. Hoje os responsáveis são o fundo Wings e um family office, com a operação liderada pelo CEO Marcos Calazans, que está tendo que lidar com um processo de recuperação judicial iniciado com dívidas somando os R$ 55 milhões. Segundo a empresa, R$ 20 milhões foram quitados e a operação segue cumprindo seus compromissos financeiros.

A franquia foi trazida para o Brasil pelo Grupo St Marche, dono da rede de supermercado de mesmo nome e pelo Empório Santa Maria, sob a gestão de Bernardo Ouro Preto e Victor Leal. A história é que o próprio fundador do Eataly, Oscar Farinetti, e o então CEO da marca internacional, Luca Baffigo, teriam escolhido a dupla, com direito a viagem até o Brasil para acompanhar de perto os preparos da operação tropical, a primeira na América Latina. O investimento foi 60% de sócios estrangeiros – entre americanos e italianos – e 40% dos brasileiros.

“Ele [grupo St Marche] enxergou o modelo como um varejo alimentar. Mas não é só alimentar, tinha a parte importada, vinhos, um jogo bem conhecido por eles, e fácil de operar. Mas mesmo o St Marche tendo essa expertise, o Eataly é enorme, com confeitaria, padaria, restaurantes, gastronomia. Foram inteligentes em trazer o apoio de especialistas nessas outras áreas”, lembra Cristina Souza, CEO da Gouvêa Foodservice, especialista em varejo alimentar.

Mas ela ressalta também que o modelo Eataly é um misto do conceito de mall (ou shopping center) com foodhall (área de alimentação). “Um mall tem que buscar sempre a criatividade pra trazer tráfego, com promoções. Essa mentalidade é muito importante e supermercadista não tem essa mesma mentalidade de mall”, avalia Souza. Entre outros desafios que a especialista acredita que podem ter impactado a operação brasileira estaria a própria localização. “Consideraria o local, com custo alto de estacionamento e que não tem outras ofertas como o shopping que está a uma distância de 5 minutos de caminhada”.

Fachada do Eataly em São Paulo em imagem do Google Street View antes da perda do direito à marca (Crédito:reprodução Google Street View)

E o principal. “No meio do caminho teve uma pandemia“, quando não apenas se represou a circulação de pessoas no mundo como também fez explodir a inflação e o câmbio, que na época da inauguração da loja estava no patamar de 3 reais, segundo dados do Banco Central, e saltou para o patamar na faixa dos 5-6 reais no auge da crise sanitária.

Pesquisando o histórico da inauguração por aqui, talvez a palavra mais usada para definir o empreendimento tenha sido “ousado“, com destaque para o prédio de 4,5 mil metros quadrados com fachada envidraçada na Avenida Juscelino Kubitschek, uma das regiões mais caras da capital paulista, e que, de um lado, está a poucos metros de um dos shoppings de luxo da cidade, o JK Iguatemi, e com mais alguns passos, de onde ficava a famosa loja Daslu. Para o outro lado, são cinco minutos andando até o cruzamento com a também conhecida Avenida Brigadeiro Faria Lima.

Quando chegou à capital paulista em 2015, carregava o peso da fama de suas pares, especialmente as unidades de Roma e Nova York, já conhecidas pelos brasileiros de maior poder aquisitivo, público-alvo da rede por aqui. O “frisson” (adjetivo para os mais velhos) ou o “hype” (para os mais novos) era claro, com o ambiente sempre muito movimentado e, como qualquer sucesso paulistano, com filas.

Na época, destacava-se que seria a 29ª loja da marca no mundo, com investimentos de R$ 40 milhões, mais de sete mil produtos, boa parte importados e de alto padrão, e mais de 500 funcionários. E ainda a projeção de expansão da marca para outras cidades do país, que nunca se concretizou.

“A ideia era muito boa. Juntar experiências gastronômicas com supermercado, com aulas de culinárias, é algo diferente. Agora, é preciso entender também que o posicionamento da marca, é para um público mais abastado, os restaurantes, tanto em Nova York como em Roma, são de padrão mais elevado. E todas as operações se dão em espaços nobres, então o custo do metro quadrado é alto. Uma operação dessa natureza requer volume”, aponta Claudio Felisoni, presidente do Ibevar (Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo) e professor da FIA Business School.

Mas Felisoni lembra, em meio a oferta de produtos e serviços diferenciados e, por sua vez, de maior custo, o consumidor brasileiro teve um golpe no poder de compra, especialmente nos últimos anos, com inflação e juros em patamares elevados. “Isso diminuiu muito o potencial de atratividade da marca”.

Outro ponto contra, cita Felisoni, é que a cidade de São Paulo oferece uma ampla oferta de opções de bons restaurantes (osterias, trattorias etc.) e empórios (como Santa Luzia, que segue firme e forte) para o público AB.

Sob várias mãos

O Eataly ficou sob o comando do St Marche até 2022, quando passou para o controle da operadora multimarcas SouthRock, que carregava a expertise do varejo alimentar, sendo a responsável por Starbucks, Subway e TGI no Brasil, além da BAR (Brazil Airport Restaurants), focada em alimentação em aeroportos.

Contudo, em 2023, a  Southrock entrou em recuperação judicial, alegando dívidas de R$ 1,8 bilhão. O Eataly não foi incluído no processo de recuperação da SouthRock, e pouco depois passou para a gestão da Wings, que agora tem a recuperação judicial para lidar.

Procurado para comentar a situação da empresa no país, o Eataly afirma que o processo não impacta as operações da empresa, nem interfere no cumprimento de obrigações contratuais, fluxos regulares de pagamento ou nas condições previamente acordadas com parceiros e fornecedores (leia a íntegra da nota abaixo).

“O Eataly Brasil mantém, ainda, seu compromisso integral com seus colaboradores e com a excelência que caracteriza a experiência oferecida aos clientes. A empresa segue atuando com responsabilidade e consistência, com foco na sustentabilidade e no crescimento do negócio, reafirmando sua dedicação a todos os seus públicos”, diz ainda o texto.

Nova vida

Os especialistas ouvidos pela IstoÉ Dinheiro apontam para o grande desafio que a marca tem pela frente para se recuperar e manter sua operação sustentável, especialmente se considerarmos que o cenário econômico segue apertado, com juros em patamares elevados, câmbio desfavorável e pressão inflacionária.

“Os desafios para a continuidade do Eataly Brasil são grandes, exigindo estratégias sólidas para manter sua presença no mercado, acompanhada de uma gestão financeira mais eficiente”, aponta Samuel de Jesus Monteiro de Barros, reitor do Ibmec-RJ e especialista em Finanças.

Por outro lado, pondera, a marca é um forte ativo – apesar de ele estar em suspenso agora – que pode favorecer. “Sob a ótica financeira, dois aspectos se destacam. O primeiro é o valor estratégico da marca. O nome “Eataly” representa um ativo relevante para os investidores, atraindo consumidores que buscam uma experiência gastronômica de padrão internacional. Além disso, no terceiro trimestre de 2024, a operação brasileira voltou a atingir o break-even, mesmo com um faturamento abaixo da média histórica — um indicativo de viabilidade para o negócio”.

Contudo, diz Cristina, da Gouvêa, o cenário econômico apertado vale para todos os players. A solução agora, diz, passa por investimento em marketing e em gerar fluxo.

“Aquele lugar precisa de muito tráfego. Então precisa atrair as pessoas, lançar promoções, mais atrativos. Por mais que a empresa tenha 10 anos de presença no Brasil, são 10 anos de muitos solavancos também. Precisa de um trabalho de recuperação e investimento em marketing, brigar por produto e tráfego. E tirar vantagem de que o local também é atrativo turístico. O consumidor gosta de ver as coisas vivas e pujantes, e eles têm que entregar essa experiência”.

Já Claudio Felisoni, do Ibevar, vê com mais reticência o futuro da empresa por aqui. “O conceito que eles estão trouxeram de fora não deu certo. Essa experiência da forma como foi estruturada não funcionou. Esse modelo, em que pese o fato da pandemia, inflação e renda real comprimida, mercado competitivo, tudo isso é verdade. Mas esse modelo não funcionou. Eu diria que eles teriam que repensar, tem que repensar o modelo. Não vai ser fácil encontrar investidor”.

Filiais da Itália pelo mundo

O Eataly nasceu em Turim, na Itália, em 2007, fundado por Oscar Farinetti. Atualmente tem mais de 40 unidades pelo mundo, sendo considerado o maior centro gastronômico italiano do mundo. Suas lojas, principalmente nos Estados Unidos e na Itália, costumam ser ponto turístico das cidades.

Confira a nota do Eataly na íntegra:

O Eataly Brasil informa que a questão relacionada ao direito de uso da marca no país está em processo de arbitragem. O caso permanece sob sigilo, sem decisão definitiva até o momento, e será analisado pelas instâncias competentes. A empresa reafirma seu compromisso em cumprir integralmente a legislação vigente e respeitar as determinações judiciais e arbitrais aplicáveis.

Além disso, o Eataly Brasil solicitou um pedido de Recuperação Judicial com o propósito de viabilizar a continuidade do processo de mediação com credores, buscando a melhor solução para créditos em aberto. Essa decisão reflete o compromisso da empresa com uma negociação estruturada, que proporcione um acordo seguro, ágil e equilibrado para todas as partes envolvidas.

É importante destacar que esse processo não impacta as operações da empresa, nem interfere no cumprimento de obrigações contratuais, fluxos regulares de pagamento ou nas condições previamente acordadas com parceiros e fornecedores.

O Eataly Brasil mantém, ainda, seu compromisso integral com seus colaboradores e com a excelência que caracteriza a experiência oferecida aos clientes. A empresa segue atuando com responsabilidade e consistência, com foco na sustentabilidade e no crescimento do negócio, reafirmando sua dedicação a todos os seus públicos.

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