Guerra de armas de gel vira febre na periferia do Recife com mais de 50 pessoas feridas nos olhos


Fundação Altino Ventura atendeu pacientes com lesões oculares causadas por tiros de armas de gel. Deputado estadual propôs lei para proibir ‘brincadeira’. Batalhas com armas de gel acontecem em bairros da periferia do Recife
Quem vive e passa diariamente pelos bairros periféricos do Grande Recife possivelmente já se deparou com jovens e crianças correndo pelas ruas com armas de gel. A brincadeira, que se popularizou especialmente nas últimas semanas, já deixou ao menos 50 pessoas feridas e motivou a proposição de um projeto de lei estadual para proibir o comércio desse tipo de arma.
Emerson Antônio da Silva é cuidador de idosos e mora perto de uma praça no Morro da Conceição, na Zona Norte do Recife. Em entrevista à TV Globo, contou que as batalhas com armas de gel acontecem após as 22h e causam transtornos para moradores que são pegos de surpresa com os disparos e o barulho (veja vídeo mais acima).
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“É terrível porque você está na frente da sua casa e, de repente, vem aquela confusão, aquele susto. Todo mundo aparecendo com aquelas armas na mão que, por conta da violência que sempre existe, você não sabe se é de brinquedo, se é de verdade. Quando vê, são os disparos, todo mundo gritando”, comentou Emerson.
Segundo o cuidador de idosos, muitas das pessoas que participam das batalhas vêm de diferentes regiões do Grande Recife e marcam disputas entre bairros em locais pré-determinados. Em uma das ocasiões, os disparos começaram enquanto crianças pequenas ainda brincavam na rua.
“Essa praça que tem aqui é na frente de casa, apesar da hora, ainda tinha um bocado de criança brincando no escorrego e nos balanços. Foi mãe desesperada chamando os filhos: ‘Corre, vem embora!’; as crianças correndo com medo e assustadas; as mães também. Quando viu, foi bolinha para tudo que é lado”, contou Antônio da Silva.
A preocupação encontra respaldo no número de acidentes registrados desde que as batalhas se popularizaram. Segundo a Fundação Altino Ventura, hospital de referência em oftalmologia no bairro da Iputinga, na Zona Oeste do Recife, 50 pessoas já foram atendidas com lesões nos olhos causadas por tiros de armas de gel.
De acordo com a oftalmologista Camila Moraes, os pacientes podem sofrer danos severos na visão por consequência dos disparos.
“Os médicos da fundação estão encontrando os pacientes com queixa de dor ocular, baixa visão, inflamações da parte anterior ou interna dos olhos, com lesões corneanas, arranhões, abrasões, sangramento ocular interno. O sangramento ocular pode desencadear outras consequências, como um glaucoma secundário ou perda de transparência da córnea, por exemplo”, comentou a médica.
Projeto de lei
Arma de gel vendida no centro do Recife
TV Globo/Reprodução
O número de pessoas feridas e o número de ligações para o número 190, da Polícia Militar, por conta de armas de gel têm chamado a atenção dos legisladores e órgãos de segurança. Nesta segunda-feira (9) a Secretaria de Defesa Social (SDS) de Pernambuco convocou uma entrevista coletiva com a imprensa para falar sobre a brincadeira que tem se transformado num problema.
O delegado Mário Melo explicou que não existe, até o momento, nenhuma lei que proíba a compra e o uso de armas em gel. Apesar disso, foram registradas 109 ligações de pessoas com queixas relacionadas às batalhas somente nos últimos 10 dias.
“Por ser a arma em gel uma novidade, as regulamentações ainda não acompanharam essa novidade. Então, só o fato de portar a arma em gel ou comprar, ainda não é crime. Porém, a forma como está sendo utilizada – nesse ambiente descontrolado, com várias pessoas, usando balaclava, muitas vezes fazendo apologia ao crime – pode trazer consequências criminais”, explicou.
Uma portaria do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) de 2021 aponta que armas de gel não são classificadas como brinquedos. A fabricação, a venda, a comercialização e a importação de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo é proibida no Brasil pelo Estatuto do Desarmamento.
O Exército Brasileiro fiscaliza o comércio de armas “airsoft” e de “paintball”, que funcionam sob pressão, carregadas com projéteis de plástico e bolas com tinta colorida. Apesar das semelhanças, o Exército disse as que armas de gel “funcionam com a utilização de baterias e não se confundem com armas de pressão”.
A lacuna de legislação pode ser resolvida em breve. Tramita na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) um projeto de lei do deputado Romero Albuquerque (União Brasil) que propõe a proibição das “armas de gel” em Pernambuco.
Em nota, o deputado justificou que “o design que imita armas reais tem gerado confusão em situações de confronto, resultando em risco para os próprios portadores e também para outras pessoas”. Segundo o texto, o projeto “também visa combater a banalização da violência, frequentemente associada ao uso inadequado desses equipamentos em espaços públicos”.
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