União Europeia e Mercosul concluem negociação para criar zona de livre comércio com 700 milhões de consumidores e um quarto do PIB mundial


Anuncio da conclusão do acordo entre os blocos aconteceu nesta sexta-feira (6). A reunião que selou o acordo na sede do Mercosul, em Montevidéu, marcou o encerramento de 25 anos de negociações. Acordo UE-Mercosul é celebrado por presidente da Comissão Europeia e presidentes do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai
Imagem: TV Globo
O Mercosul e a União Europeia anunciaram nesta sexta-feira (6) a conclusão do acordo de livre comércio. Um acordo histórico que envolve um quarto do PIB do planeta.
A reunião que selou o acordo na sede do Mercosul, em Montevidéu, marcou o encerramento de 25 anos de negociação.
Logo depois, veio a foto: a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, cercada pelos presidentes dos quatro países que criaram o Mercosul. Uma imagem que ficará na memória como um marco da integração entre os dois blocos.
Como anfitrião do encontro, o presidente uruguaio Luis Lacalle Pou lembrou que houve esforço conjunto para superar divergências em nome de algo que pode beneficiar todas as partes.
Ursula von der Leyen fez um discurso ainda mais otimista. Disse que o entendimento de um marco histórico de um futuro compartilhado. Ela ressaltou o esforço feito pelos parceiros para superar as diferenças e acrescentou:
“Estamos enviando uma mensagem clara e poderosa ao mundo. Num mundo onde há cada vez mais confrontos, demonstramos que as democracias podem se apoiar mutuamente, criando empregos e uma parceria de comércio e investimentos sem precedentes.”
A voz dissonante foi do presidente da Argentina. Ele assinou o acordo, mas voltou a criticar a integração, chamando o Mercosul de “uma prisão” e defendeu que os países-membros tenham maior liberdade para firmar acordos de forma independente.
O presidente Lula comemorou os avanços das negociações. Os dois blocos, juntos, reúnem 700 milhões de pessoas e representam 25% do PIB do planeta.
“O acordo que finalizamos hoje é bem diferente daquele anunciado em 2019. As condições que herdamos eram inaceitáveis. Foi preciso incorporar ao acordo temas de alta relevância para o Mercosul. Estamos assegurando novos mercados para nossas exportações e fortalecendo os fluxos de investimentos”, afirma Lula.
Lula destacou pontos do acordo que, segundo ele, vão beneficiar o Brasil.
Ficou estabelecido que, nas compras governamentais, a preferência será de produtos nacionais. E que em alguns setores, como a saúde, os fornecedores terão que ser brasileiros.
A indústria automotiva terá uma redução tarifária mais lenta do que previsto inicialmente, de forma a proteger a indústria nacional.
E os produtos agrícolas do Mercosul terão cotas para ingressar no mercado europeu sem pagar qualquer tarifa. Para carnes bovinas, suínas e de frango, por exemplo, essa cota é de 300 mil toneladas.
No discurso, ele ressaltou a qualidade dos produtos nacionais:
“Nossa pujança agrícola e pecuária nos torna garantes da segurança alimentar de vários países do mundo, atendendo a rigorosos padrões sanitários e ambientais. Não aceitaremos que tentem difamar a reconhecida qualidade e segurança dos nossos produtos.”, fala o presidente Lula.
Hoje, a União Europeia já é o segundo maior mercado importador de produtos do agronegócio brasileiro, atrás apenas da China.
O acordo deve intensificar ainda mais o comércio entre os dois blocos. Mas, a União Europeia manterá o direito de barrar produtos que não atendam aos padrões de segurança alimentar e de saúde animal.
Além do comércio, o acordo prevê cooperação política e ambiental. Os dois blocos se comprometeram a cumprir o acordo de Paris, reduzindo emissão de gases do efeito estufa e combatendo o desmatamento; além da harmonização de normas sanitárias e fitossanitárias, com garantias no rigor e controle de doenças e pragas.
Ainda não há data para o acordo entrar em vigor, mas a presidente da Comissão Europeia deixou o Uruguai destacando os benefícios significativos para consumidores e empresas de ambos os lados, classificando o acordo como um “ganha-ganha”.
Aprovação de acordo UE-Mercosul gera reações mistas na Europa
Enquanto na América do Sul, a presidente da Comissão Europeia fechava o acordo histórico, no continente europeu caminhões e tratores ameaçam voltar às ruas.
É que o livre comércio entre os dois blocos assusta alguns governos, que temem que os produtos da América do Sul cheguem aqui mais baratos e se tornem mais atraentes aos consumidores europeus.
Principalmente carne bovina, produtos agrícolas, máquinas e produtos químicos. Mas a recíproca vai funcionar da mesma maneira.
Mercadorias como queijo, vinho e carros podem chegar ao Mercosul com preços bem mais convenientes.
Da França vem a crítica mais forte, que é também a de muitos agricultores europeus, que afirmam que os países do Mercosul não seguem os mesmos padrões de qualidade.
A ministra do Comércio francesa, Sophie Primas, prometeu resistir e disse contar com o apoio da Itália.
A Itália reconhece que tem dificuldades para assinar o acordo, mas ressalta que quer fortalecer as relações com os países do Mercosul. Se o governo italiano for compensado economicamente, principalmente no setor agrícola, pode mudar de opinião.
A Alemanha, país que é o maior produtor de carros na Europa, comemora.
O primeiro-ministro Olaf Scholz disse que o acordo criará um mercado livre para mais de 700 milhões de pessoas, com mais crescimento e competitividade.
Pedro Sánchez, primeiro-ministro da Espanha, segunda maior produtora de veículos da Europa, declarou que trabalhará para garantir a aprovação. “A abertura comercial com nossos amigos latino-americanos nos tornará a todos mais prósperos e fortes”, disse Sánchez.
A aprovação de um acordo como este não precisa ser unânime. São necessários os votos de 15 dos 27 países do bloco, que representem 65% da população. E depois passaria por maioria simples no Parlamento Europeu.
Existe ainda uma estratégia da Comissão Europeia que pode desmembrar o acordo para que seja votado por partes, para facilitar a aprovação.
O presidente do Conselho Europeu, António Costa, disse que é uma conquista muito importante:
“O comércio é bom para a Europa. É bom para o mercado e os empregos. É bom para o nosso lugar no mundo. É bom para os nossos cidadãos.”
Como o Brasil pode ganhar com o novo acordo multilateral
Em um mundo de intensas disputas comerciais entre China e Estados Unidos, o acordo abre espaço para países da América do Sul e nações da Europa. A vantagem pode ficar com o agro, em um cenário em que a União Europeia já é o nosso segundo maior mercado importador desses produtos.
Com o acordo, 82% das importações agrícolas do Mercosul não vão ser mais taxadas. Os produtores rurais acham que o acordo ficou equilibrado para os dois blocos.
“As frutas brasileiras têm na União Europeia o seu principal mercado e a gente está zerando a tarifa de importação em várias dessas frutas, e isso é muito positivo. Café solúvel, por exemplo: a União Europeia é o principal destino das exportações de café brasileiro, mas a gente manda café em grãos. Pelo acordo, depois de um tempo, essa tarifa de 9% hoje do café solúvel vai ser zerada. Então você também gera uma nova oportunidade”, diz a diretora de Relações Internacionais da Confederação Agricultura e Pecuária do Brasil, Sueme Mori.
A professora de economia Cristina Helena de Mello explica que os preços da agropecuária brasileira podem se tornar mais atrativos diante do aumento do custo de vida na Europa.
“Na Europa, por força do conflito com a Rússia, teve um aumento muito grande no custo energético e também um aumento significativo no preço de alimentos em função das mudanças climáticas. Então, contar com a entrada de bens, produtos sendo muito competitivos, com bom preço, ameniza um pouco o custo da cesta de alimentos dos europeus”, pontua.
Mas abrir as fronteiras também pode fazer com que o bloco sul-americano sinta o peso da concorrência vinda da Europa, pressionando a indústria nacional.
“Eu acho que o ponto de atenção é que a gente vem já num processo de desindustrialização que pode ser acelerado diante desta negociação. Um desmonte da indústria brasileira tira valor agregado, tira a capacidade de competição do brasil, de crescimento econômico”.
Preocupação compartilhada com quem estuda comércio exterior há mais de 40 anos.
“O setor industrial, na realidade, está muito carente de competitividade. Nós não temos tecnologia própria; utilizamos tecnologia já em segunda, terceira geração, e isso não nos dá muita competitividade para o mercado externo”, diz o consultor de relações econômicas internacionais e comércio exterior.
O especialista acredita que isso pode mudar se houver transferência de tecnologia.
“Consequentemente, o nosso setor industrial pode ganhar a competitividade que deixou de ter. E isso gerará mais empregos, melhores salários.”
O setor enxerga oportunidade.
“Vai surgir arranjos interempresariais, parcerias estratégicas, maior diversificação da pauta, o que vai trazer benefícios comuns. Nós temos algumas questões regulatórias, como o custo do Brasil e outros problemas, que acredito, inclusive, que nesse período de transição o Brasil vai fazer o seu dever de casa”, afirma Rafael Lucchesi, diretor de desenvolvimento industrial da Confederação Nacional da Indústria.
O acordo com a União Europeia é considerado o mais complexo já negociado pelo Mercosul. Ao quebrar barreiras, pretende tornar mais fáceis os processos de compra e venda entre os blocos econômicos que ficam em lados opostos do Oceano Atlântico.
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) estima que as trocas comerciais com os europeus aumentem o PIB brasileiro em 0,46% até 2040. O IPEA projeta um crescimento de 1,49% nos investimentos para o Brasil.
“A europa cuidou também de fazer isso em fases para poder ter impactos menores e suavizados sobre a estrutura produtiva dela. Nós devemos replicar o mesmo comportamento aqui. Olhar os setores que queremos fortalecer, que queremos manter, e suavizar essa transição para esse setores”, diz Cristina.
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