A pesquisa do IBGE de 1976 que registrou 136 ‘cores’ dos brasileiros

A pesquisa do IBGE de 1976 que registrou 136 ‘cores’ dos brasileirosJulia Di Spagna

Uma pesquisa recente do Datafolha apontou que 60% das pessoas que se autodeclararam pardas no Brasil não se identificam como negras. O levantamento contou com 2.004 participantes de 16 anos ou mais em 113 municípios brasileiros, entre os dias 5 e 7 de novembro.

O número dialoga com uma outra tendência observada no Censo 2022: o aumento de pessoas que se declaram pardas. Realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a pesquisa mostrou que 45,3% dos brasileiros se encaixavam na categoria, tornando-se o maior grupo racial do país pela primeira vez na história. As outras classificações possíveis no IBGE são preto, pardo, branco, indígena e amarelo. Negros, segundo a legislação brasileira, são a soma de pretos e pardos. Mas por que, então, tantos pardos não se enxergam parte desse grupo?

Na verdade, a discussão da identidade do pardo é complexa e antiga no Brasil.

Para se ter uma ideia, em 1976, o IBGE fez a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), e deixou as pessoas responderem livremente suas cores – sem a divisão entre preto, pardo, branco etc. O resultado? Os entrevistados citaram 136 cores diferentes, com termos como “café com leite”, “chocolate”, “marrom” “bem-branca” e “branca-suja”.

“São definições que buscam reproduzir, quase que didaticamente, a coloração; numa clara demonstração de que no Brasil raça é mesmo uma questão de marca. Ou melhor, no país o critério fundamental é acima de tudo estético: pouco se menciona a origem”, afirmou Lilia Schwarcz em seu artigo “Do preto, do branco e do amarelo: sobre o mito nacional de um Brasil (bem) mestiçado” sobre a Pnad de 1976. “A não ser no caso de “polaco” e “baiano”, a descendência não é sequer mencionada, isso para não insistir no claro branqueamento geral presente nas definições”, explica a historiadora.

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No mesmo texto, ela explora a questão da identidade de cor, da autodeclaração e dá exemplos dos impactos sociais dessas definições, como o caso de uma professora de filosofia da USP que disse ao Censo que sua cor era negra, mas foi contrariada pelo seu entrevistador que reagiu: “- ora, muito bem a senhora é professora universitária ou muito bem é negra. Os dois juntos… não pode ser”!

Assim, a pensadora também relaciona diretamente a cor com os preconceitos presentes na sociedade. A recusa em se autodeclarar como negro, segundo este raciocínio, faria parte disso. “Dizem que no Brasil a riqueza embranquece, assim como o poder e a ascensão na hierarquia social. Essa história seria muito repetida, com os inúmeros casos de políticos branqueados em suas fotos, vestes e atos; jogadores de futebol que se entendem mais claros conforme sobem nos holofotes ou meros populares”, completa Lilia. Um clássico exemplo é a forma como Machado de Assis foi colocado como um homem branco em muitas representações.

Por que o IBGE pergunta sua cor?

Mas, afinal, por que pesquisadores fazem esse tipo de levantamento? Segundo o documento do próprio IBGE “Características Étnicos-Raciais da População” há uma importância e uma razão social para classificações assim.

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“Enquanto as pessoas continuarem a usá-las (as raças) para embasar suas ações com consequências efetivas materializadas em desigualdade racial, as raças permanecem relevantes para a Sociologia como construção sócio-histórica para organizar a percepção e a hierarquização da diversidade dos seres humanos”.

O mesmo documento completa que, para estudar a importância e as consequências da raça em uma sociedade por meio de levantamentos, como censos e pesquisas domiciliares, é preciso identificar a que grupos raciais pertencem as pessoas por meio de um sistema de classificação.

“Raças e cores no Brasil atuam como construções sociais arbitrárias, mas não aleatórias. Representam arranjos diacríticos, relacionais, posicionais”, pontua Lilia em seu artigo.

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